Ana Salazar à conquista do Brasil

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O desfile na São Paulo Fashion Week é o princípio de uma investida apoiada por novos sócios e pelo Portugal Fashion. Nem de propósito, a colecção para a próxima Primavera/Verão da criadora "gira" chama-se Work in Progress.

A imprensa brasileira, mais precisamente o Estado de São Paulo, chamou-lhe "gira" - brincadeira com as expressões do português original e com esta expressão inusitada no Brasil que aqui tem equivalente no "bonito" ou "bacana". Brincaram com ela na São Paulo Fashion Week (SPFW), também com alusões aos pastéis de Santa Clara de Coimbra, como se escrevia no jornal diário da semana de moda. E Ana Salazar brincou com toda a gente, cheia de energia na sua estreia na mais importante passerelle da América Latina e numa das "dez mais" do mundo.

Das conversas nos últimos anos com a veterana da moda portuguesa, pode concluir-se que Ana Salazar anda à procura de pelo menos duas coisas. Uma é o ar dos tempos, expressão que gosta de usar para explicar como se capta o espírito de um momento para o tornar em roupa. Outra são as mulheres Ana Salazar. Bem-disposta nos bastidores do desfile de sábado passado, dizia que precisava de um duplo seu, de uma gémea, alguém que a ajudasse a responder às solicitações. A imprensa, os bloggers, os curiosos queriam falar com a portuguesa convidada da SPFW. E ela queria contar-lhes como acha que há mulheres Ana Salazar (que não suas duplas) por todo o lado, especialmente no Brasil.

"O mercado brasileiro é potencial para nós", diz Ana Salazar, "porque há mulheres Ana Salazar no Brasil, que querem ousar na diferença". Na primeira fila do desfile, como já tinha acontecido em Janeiro na apresentação com um desfile apoiado pelo Portugal Fashion no Consulado de Portugal em São Paulo, Costanza Pascolatto, a comentadora de moda mais conhecida e vetusta do Brasil, acompanhada por Gloria Kalil - consultora de moda e responsável pela Fiorucci - e pelo jornalista brasileiro Lula Rodrigues para avaliar o seu grau de pureza.

Um Portugal moderno

Apoiada por Luís Aranha e João Barbosa, os seus novos sócios desde Setembro, Ana Salazar está a cumprir um plano. "O Brasil tem tudo a ver connosco", diz Luís Aranha, enquanto as manequins são penteadas e maquilhadas.

Não só pela língua, claro, mas porque os novos sócios de Ana Salazar vêem "o Brasil como um Portugal moderno".

Com um detalhe - e falemos de roupa, que a moda é negócio mas também criação: a globalização obriga e o Brasil tem essa coisa de estar lá no hemisfério sul, com as estações ao contrário. É Inverno em São Paulo e mostram-se as colecções para a Primavera/Verão.

Aquelas que só serão vistas em Outubro na ModaLisboa, aquelas que só saem à rua dentro de um ano europeu. Mas no Brasil chegam às lojas em Setembro e Ana Salazar, a "gira" que chegou ao Brasil quase quatro décadas depois de ter aberto a sua primeira loja Maçã, pôs a equipa a trabalhar em contra-relógio. "A equipa está mais alargada mas tem sido um esforço enorme", conta à Pública nos bastidores do desfile de dia 12 em São Paulo.

O Brasil é um dos objectivos basilares do tridente Salazar-Aranha-Barbosa, que já abriu nova loja Ana Salazar no Cascaishopping e planeia a abertura de outros dois espaços em centros comerciais. E, no futuro e depois de implantado o nome Ana Salazar no país verde e amarelo, planeia lojas no Brasil.

Luís Aranha, o operacional da reestruturação da empresa Ana Salazar, já trabalhou com Nina Ricci na Ásia e dirigiu o braço do grupo francês de bebidas Pernod Ricard naquele continente. O CEO da Iberpartners, João Barbosa, é o investidor e administrador não executivo e político por aproximação (foi adjunto de secretários de Estado, assessor de António Mexia) e funcionário da consultora McKinsey em São Paulo.

As suas ligações à indústria brasileira são úteis mas os futuros, potenciais ou desejados, parceiros da marca Ana Salazar no Brasil estão ainda por revelar. Os dois sócios da criadora de moda usam a sua poker face o melhor que podem. A pressa é o agouro do negócio, dizem nas entrelinhas. Mas é de moda que falamos, com planos de expansão mas na mesma linha Ana Salazar da simbologia, dos materiais tecnológicos e desconstrução seminal. "Ela é portuguesa?", perguntava em jeito de confirmação de suspeita a jornalista da Harper"s Bazaar mexicana. "Bem me parecia que o estilo era... europeu."

Na São Paulo Fashion Week, a fluidez e descontracção da moda brasileira teve um intervalo português, negro ("o preto é intemporal, confere uma certa sofisticação", diz a criadora), rendado e arquitectónico.

Mulheres poderosas

"Mulheres poderosas" foi uma expressão recorrente para descrever a colecção, vista em sala por 800 pessoas. "Tem tudo para ser uma colecção de sucesso", escreveu a Marie Claire Brasil. A Elle brasileira, mais atarantada, viu ali um amor pela escola belga (Margiela, Demeulemeester, Bikkembergs, Sander) e um toque "gótico".

Mas o que fez a plateia verbalizar o seu espanto num suspiro foi uma manequim, na terra da "bunda" e do fio dental, ter uma camisola transparente que lhe deixava o peito à mostra. Pouco usual, foi mais uma pequena diferença em relação ao trabalho do conjunto dos criadores brasileiros, mas tudo dentro do conceito de "moda como lifestyle" que a SPFW propala pela voz do seu organizador, Paulo Borges.

O crivo da SPFW é cada vez mais apertado para seleccionar participantes porque ela é cada vez mais mediática. Ana Salazar integra a SPFW até Junho do próximo ano, apoiada pelo Portugal Fashion e pela ANJE - Associação Nacional de Jovens Empresários. "Mas é para continuar", frisa Ana Salazar. Manuel Teixeira, presidente do conselho executivo da ANJE, valoriza a nova estratégia comercial da pioneira da moda portuguesa pelo seu olhar para o mercado de exportação e viu na marca o mesmo que Paulo Borges: um plano.

"Antes era uma entidade têxtil [o mesmo Portugal Fashion] que trazia criadores, uma vez um, outra vez outro", comenta Paulo Borges, indicando que a ausência de continuidade não promovia nem a moda portuguesa nem favorecia a SPFW. "A SPFW é consistência e inovação."

Por isso avaliou o projecto Ana Salazar para o Brasil e foi dada entrada à criadora portuguesa.

Subida do consumo

Todos, dentro e fora da SPFW, cantam loas à melhoria do nível de vida no Brasil: o aumento do poder de compra, a subida do consumo, a competitividade de um mercado, uma classe média e alta cada vez mais confiante. "São Paulo é uma referência, uma fonte de inspiração para o consumo global", descreve Manuel Teixeira via telefone, precisando que na operação SPFW-Ana Salazar o Portugal Fashion investiu cerca de 250 mil euros. O número de investimento da marca Ana Salazar desta investida brasileira é muito superior, indica João Barbosa, sem avançar quanto. O plano, o tal plano, continua a ser claro: um showroom Ana Salazar que esteve durante toda a SPFW no Salão Casa Moda e que se estabelecerá na cidade finda a semana de moda; a ideia de uma loja própria depois de apostar nas lojas multimarcas; produção sempre em Portugal, com ou em contraciclos entre Europa e América Latina; e até um quarto de hotel Ana Salazar no Sheraton Design Hotel de São Paulo.

João Barbosa recorda que em Portugal se quer aumentar a "capilaridade" da distribuição, Luís Aranha promete colecções maiores, uma segunda linha mais mainstream e mais duas lojas em shoppings.

Sempre no meio da equipa brasileira e coordenação portuguesa (o styling, elogiado pela imprensa brasileira, foi de Isabel Branco, a música de Filipe Forattini), Ana Salazar descreve os seus materiais, a sua permanente busca pelo desmontar das peças. Blazers só de uma manga, torcidos que seguram peças, preto, fechos e flashes de cor verde-água, amarelo e rosas numa colecção de 40 coordenados chamada Work in Progress. As tatuagens temporárias feitas jóia, a joalharia de Valentim Quaresma e o estilo inconfundível da criadora entraram num mar de autores e marcas brasileiras com a tal de ginga no corpo. O resultado foi algo que não fugiu ao plano - não mudar o ADN da marca para entrar no Brasil. A ideia é "estar no Brasil", frisa Luís Aranha, sem querer revelar os resultados, até sábado dia 12, da presença no showroom.

A equipa trabalhou em contraciclo em relação ao já de si veloz e prospectivo calendário das semanas de moda, graças às estações do ano do Sul, mas em termos criativos, explica-nos Ana Salazar, a construção da colecção foi um desafio após a escolha dos tecidos na feira Première Vision que resultou em "peças de desfile que mostram o conceito - é sempre mostrar a ideia-base, a espinha dorsal e neste caso é mesmo um work in progress", diz a criadora. Brasileiro, acrescentamos. a

joana.cardoso@publico.pt

A jornalista viajou a convite do Portugal Fashion

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