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"Falta debate político no Partido Socialista"

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Nuno Oliveira

Paulo Pedroso lança um alerta ao PS: a crise vai mudar a política e ou o partido está preparado para isso ou pode perder influência. A excessiva personalização está a matar o debate, diz

É dos poucos militantes do PS que nos últimos anos têm pensado a política e o partido em voz alta. Quer seja em apoio às políticas do PS e do Governo, quer seja contra. Vê o debate como fundamental e diz que neste momento ele não existe no partido. A crise vai mudar a política e Paulo Pedroso afirma que, ou a direcção promove uma regeneração do programa do partido, ou "é muito possível que o PS passe por um período de perda de influência".

Pedroso, de 45 anos, membro da Comissão Nacional do PS e vereador da Câmara de Almada, cargo que não trocou pelo de deputado, numa decisão tomada antes das autárquicas e em que se antecipou ao partido, manifesta-se contra a regra não escrita na política portuguesa de que "os partidos no poder não discutem política internamente porque isso pode fragilizar o poder".

Afirmou recentemente que "era importante que o PS tivesse a percepção de que, em democracia, não há nenhum ciclo de poder que seja eterno e de que preparar a sua regeneração permanentemente faz parte da missão da direcção". Porquê este alerta ao partido?

O que se esta a passar por toda a Europa obriga-nos a reflectir. Há dois anos, a maioria dos Governos eram socialistas e hoje, salvo Portugal, Espanha e Grécia, os partidos socialistas saíram do poder. E saíram do poder num contexto de uma crise programática em que é muito claro que as alternativas de Governo pela esquerda perderam popularidade e adesão. Surgiram partidos a competir com os partidos socialistas, o que de algum modo foi inesperado e poderia ter sido evitado. Em Portugal estamos já com um ciclo com alguma duração de poderes e eu não vejo que a renovação programática esteja nas preocupações.

Essa regeneração tem, pois, mais a ver com orientações políticas do que com pessoas?

Não é sobretudo de pessoas. A esses movimentos de pessoas estão hoje os partidos muito atentos. A questão é esta: o facto desta crise ser a maior desde os anos 30 vai ter consequências político-ideológicas como teve a crise nos anos 30. E ou os partidos socialistas conseguem capacidade para formar uma resposta autónoma, ou aparecerão às pessoas apenas com respostas velhas. Estou convencido que a política pode mudar quando o mundo sair desta crise e se os partidos socialistas e sociais-democratas não tiverem sabido protagonizar um novo discurso e encontrar algo para o novo ciclo, é muito possível que passem por um período de perda de influência.

E neste momento ninguém está a pensar politicamente no PS...

Não. Falta debate político no PS. Há uma regra não escrita na política portuguesa que é a de que os partidos no poder não discutem política internamente porque isso pode fragilizar o poder. É um defeito, um erro, da política portuguesa. O que acontece em Portugal é uma má herança que se prende com a juventude da nossa democracia.

José Sócrates é o responsável por isso?

Não é uma responsabilidade especial de José Sócrates, ele limitou-se a continuar o que já vinha de trás. Há uma "verdade" em Portugal, nomeadamente no PS e no PSD, que me parece errada: a pluralidade de opiniões é normal quando se está na oposição, já quando se está no Governo o dever de solidariedade não se prende apenas com as decisões, transforma-se também numa espécie de dever de silêncio. Isso tem um efeito perverso: aquilo que começou por ser um dever de silêncio acaba por se transformar num convite ao cinzentismo e num convite a uma forma de estar na política muito carreirista.

Isso também tem a ver com o facto de os partidos socialistas estarem a evoluir de modo pouco típico, de haver uma grande personalização da política como afirmou recentemente?

No meu partido é inequívoco, mas não é caso único. O que aconteceu foi os partidos sociais-democratas serem, para aí de há 20 anos para cá, muito influenciados pelo modelo americano de partidos. (...) Essa geração, apresentada como de ouro do ponto de vista da influência, era de políticos com grande competência de comunicação, com uma mediação directa com o eleitorado, mas que acabam com uma tradição que os partidos como instituição tinham. Partidos de longos debates, com processos de formação política complexos.

Qual é então o caminho?

O PS fez a certa altura, nos anos 80, um programa para modernizar Portugal e esse é o programa que ainda usa hoje. No fundo, o PS está no seu segundo ciclo de poder com esse programa. (...) Só que esse programa começou numa altura em que os problemas estruturais do país não eram bem os actuais e à medida que vamos caminhando para concretizar esse programa ele vai precisando de ser substituído. José Sócrates começou um movimento que talvez esteja bem teorizado na cabeça dele, mas não está na cabeça do partido. Assim como nós precisámos de um programa para responder à entrada na União Europeia, precisamos de um programa para responder à entrada no euro e isso falha-nos.

Acha que há medo de falar no PS?

Não. O que acontece é que nos partidos sociais-democratas no poder na Europa e no PS em particular instalou-se um excessivo altruísmo. Em Inglaterra o Partido Trabalhista acabou de ir para a oposição, apareceram cinco ou seis candidatos a líder do partido, cada um deles apresentou plataformas para apresentar a partir de movimentos de opinião e consolidadas ao longo dos anos e hoje o partido pode escolher propostas que são coerentes. Se se imaginar que daqui a algum tempo isso aconteça ao PS não se tem essa clareza. Tem personalidades, algumas delas com ressentimentos, personalidades que se sentem favorecidas aqui e desfavorecidas acolá. Tem conflitos entre pessoas, alguns deles que duram há décadas. Nada disto tem a ver com o que deve ser a luta política.

Por cá basta aparecer alguém a dizer que um dia estará disponível para ser líder, como fez José António Seguro, para surgir alguém logo a dizer que quer derrubar o líder.

É um bom exemplo. Haver um militante do PS que diz: "Eu não afasto a hipótese de me candidatar a secretário-geral" e que o faz num contexto de uma entrevista sobre a sua vida, para mim o que é surpreendente é que isso seja notícia. Notícia seria se António José Seguro desse uma entrevista para dizer que isso nunca lhe tinha passado pela ideia. Seria notícia e seria mentira [risos]. Há aqui dois problemas a excessiva fulanização da política e a transformação dos partidos em bastidores de governo. Essas duas tendências são sintomas de doenças na vida política.

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