Japão a caminho do seu quinto líder em quatro anos

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Hatoyama prometeu mudança, os eleitores sentiram-se defraudados JIJI PRESS/AFP

A base americana de Okinawa esteve na origem da saída de Hatoyama. É uma herança para o próximo chefe do Governo nipónico

Há pouco mais de oito meses, Yukio Hatoyama prometeu liderar o Japão com o coração. Ontem, quando apresentou a demissão em directo pela televisão, admitiu num discurso acompanhado por lágrimas: "Infelizmente, as políticas do partido no poder não encontraram reflexo nos corações da população. Lamento que as pessoas tenham ficado cada vez mais indisponíveis para nos ouvir."

Foi outra promessa - ainda mais difícil de cumprir - que levou o primeiro-ministro a não ver outra alternativa senão abdicar do cargo. Durante a campanha, Hatoyama garantiu que iria transferir a base americana de Futenma para fora da ilha de Okinawa, o que iria quebrar um acordo que o Governo anterior, conservador, tinha firmado com os Estados Unidos.

Depois de meses de discussões com Washington, o líder reconheceu que a sua promessa não poderia ser posta em prática. A base (onde estão metade dos 47 mil soldados norte-americanos no país) não irá sair da ilha, ainda que parte possa ser transferida para outra zona, admitiu.

Hatoyama anunciou mudança, um slogan que, apesar de emprestado de Barack Obama, que venceu com ele as presidenciais americanas, tinha como pilar a revisão das relações com os EUA, exigindo uma posição de igualdade entre ambos.

Mas os japoneses consideraram que nada se alterou, incluindo no campo económico. Apesar de ter conseguido sair da crise, o Japão continua com uma economia frágil sobretudo se comparada com o vigor da vizinha China, e com uma elevada deflação. Alguns analistas não viram em Hatoyama um líder capaz de impor medidas firmes e mostrar o caminho de saída da recessão.

Não admira assim que os níveis de popularidade do chefe do Governo tenham descido a pique para um nocivo recorde de 20 pontos. A queda é ainda mais dramática se se considerar a vitória esmagadora que Hatoyama conseguiu nas legislativas de 2009, quando o seu Partido Democrata do Japão (PDJ) acabou com mais de meio século de domínio do Partido Liberal Democrata (PLD, conservador).

Não sai sozinho. Partirá com aquele que muitos viam como a eminência parda do Executivo: Ichiro Ozawa, secretário-geral do PDJ, alvo de vários inquéritos da justiça por suspeitas de financiamento ilícito.

Esta dupla demissão visa salvar o PDJ nas eleições para a câmara alta da Dieta, previstas para Julho (e que estiveram na origem das pressões para a demissão). "Poderá ter uma influência positiva nos eleitores", comentou à agência francesa Shinichi Nishikawa, professor de Ciências Políticas da Universidade Meiji de Tóquio.

Não é o único a pensar assim: "A demissão vai ser sentida como um choque no seio do partido, mas ao mesmo tempo poderá ser uma oportunidade para acelerar a mudança de gerações", considerou Yoshinobu Yamamoto, da Universidade Aoyama Gakuin, também da capital. "Ainda não sabemos qual a influência que Hatoyama e Ozawa conservam, mas o partido vai poder reemergir com uma nova imagem", acrescentou.

O sucessor - será o quinto em quatro anos - até já poderá estar escolhido. O ministro das Finanças, Naoto Kan, comunicou ontem que pretende candidatar-se à liderança do PDJ, o que provavelmente se confirmará na sexta-feira. "Informei o primeiro-ministro Yukio Hatoyama que desejo candidatar-me à presidência do partido", declarou ontem, citado pela AFP. Caso se confirme, é bem possível que na segunda-feira os japoneses tenham um novo chefe do Executivo.

A tarefa não será fácil. "O próximo primeiro-ministro não terá a missão facilitada para recuperar a confiança dos eleitores em tão pouco tempo", diz Nishikawa. "Vai herdar todas as dificuldades deixadas por Hatoyama."

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