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Sal ou sódio? Ninguém sabe a diferença e os rótulos não ajudam

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O sal terá que ser reduzido no pão, ainda este ano, de 14 para 12 gramas RUI GAUDÊNCIO

Produtores ainda não adaptaram embalagens a legislação destinada a proteger a saúde do consumidor

Nas prateleiras dos supermercados amontoam-se produtos coloridos e apelativos a que os olhos não ficam indiferentes e as mãos insistem em atirar impulsivamente para o carrinho. Será que está consciente de que o sal é dos maiores inimigos do coração? E quem é cuidadoso terá toda a informação nos rótulos? Os produtores acreditam que estão no caminho certo, mas os médicos sentem que há muito a fazer com este ingrediente - responsável silencioso por muitas patologias, em especial do foro cardíaco. Mesmo os produtos que referem as quantidades fazem-no indiscriminadamente em sódio ou sal, o que se traduz em valores diferentes e dificultam a comparação de uma substância em que cada grama conta.

Em Portugal, os acidentes vasculares cerebrais e o cancro do estômago continuam a ter uma incidência muito superior à de outros países da Europa Ocidental e são duas das principais causas de morte. Mas o problema do sal, pelo menos em termos de rótulos, tem que ser resolvido. Nova legislação foi publicada em Diário da República e os alimentos pré-embalados são obrigados a dar informação mais completa. O pão está na origem do diploma e terá uma medida mais drástica: será o primeiro alvo de reeducação do paladar, com uma redução de 14 para 12 gramas de sal por quilo de pão ainda este ano.

"É uma das maiores medidas de saúde pública jamais tomadas pelo poder político. É uma primeira tentativa para implementar uma medida não farmacológica de prevenção e tratamento da hipertensão arterial", afirmou ao PÚBLICO José Alberto Silva, presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão. O médico recordou também que "na Finlândia, há uns anos, a aplicação de uma lei semelhante levou à redução em cerca de 60 por cento dos casos de AVC (acidente vascular cerebral)".

Mesmo assim, entre os produtos ditos "originais" e os de "marca bran- ca" há já diferenças. Um estudo recente da Consensus Action on Salt and Health, no Reino Unido, concluiu que, naquele país, produtos como cereais, molhos e comida pré-confeccionada que lideram o mercado têm quase sempre mais sal que os produtos próprios de cada distribuidor. Em Portugal, não há nenhum estudo sobre o assunto, mas o PÚBLICO comparou alguns rótulos. Em geral, os produtos de marca referem frequentemente a quantidade de sal. Contudo, os produtos "brancos" têm menos sal que as grandes marcas.

A presidente da Associação Portuguesa dos Nutricionistas, Alexandra Bento, não se espanta. As grandes superfícies estão a adaptar-se às exigências dos consumidores, que transferiram a segurança alimentar para a saúde. No que respeita às diferenças entre marcas "originais" e "brancas", Alexandra Bento diz que não há uma regra mas reconhece que, para um produto líder de mercado, é mais difícil reduzir o sal pelo risco de os consumidores notarem a diferença.

Por exemplo, comparando os cereais Choco Krispies da Kellogg"s com o equivalente de marca branca do Continente (do grupo Sonae, proprietária do PÚBLICO), percebemos que o "original" tem mais sal: 0,5 por cem gramas contra 0,4. No Pingo Doce, o produto não refere a quantidade. Contudo, nos Corn Flakes, os do Continente têm mais sal (0,9) que a Kellogg"s (0,7). Na comida pré-confeccionada como os tortellini com presunto da Milanesa verificamos que, tal como a lasanha, nada refere sobre sal ou sódio. O Continente diz ter 0,8 e 0,5, respectivamente. O Pingo Doce tem menos: 0,54 e 0,37.

O Continente adoptou um sistema de semáforos: com cores, alerta o consumidor para o nível da substância contida. O distribuidor mostra os dados em sal e em sódio, o que fa- cilita a comparação - a Organização Mundial de Saúde recomenda o consumo máximo de cinco a seis gramas de sal por dia (três gramas, no caso das crianças) e os rótulos costumam falar em gramas de sódio. E para transformar uma quantidade de sódio em sal é preciso multiplicar o valor por 2,5 - conta difícil na hora de encher o carrinho e que pode levar os consumidores a ingerirem vários gramas a mais em cada dia, somando vários problemas às suas artérias.

Consumo acima da média

Em média, cada português ingere o dobro do valor recomendado pela OMS (12 gramas por dia). No país, morrem quatro pessoas por hora vítimas de doenças cardiovasculares, segundo dados da Unidade de Hipertensão e Risco Cardiovascular do Hospital Pedro Hispano e da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Fernando Pessoa. Menos um grama de sal por dia permitiria salvar cerca de 2500 vidas. A pensar nestes dados, já este ano, a publicidade a alimentos dirigida a crianças vai ser controlada por uma entidade independente.

"A rotulagem nutricional deve ser um canal de informação para apoiar os consumidores na escolha de um regime equilibrado", afirmou ao PÚBLICO José Alberto Silva, do gabinete de comunicação do Continente. "Este semáforo apresenta as concentrações dos nutrientes cujo consumo excessivo constitui um risco cientificamente comprovado. O nosso objectivo é conseguir produtos que contribuam para uma alimentação saudável sem esquecer que têm de agradar", disse. "A não generalização desta medida a outras marcas deve-se, em minha opinião, a interesses comerciais."

O Pingo Doce está desde 2008 a converter as embalagens para que apresentem rótulos mais "simples, completos e rigorosos". "Em regra, todos os produtos incluem informação nutricional, apesar de só ser obrigatório quando há alegação nutricional ou de saúde", disse fonte do gabinete de comunicação da marca.

A Kellogg"s, através da nutricionista Raquel Torres Abrantes, esclarece que, em 1930, foi "a primeira empresa a incluir informação nutricional nas embalagens de cereais" e, em 2006, a primeira na Europa "a incluir o esquema de rotulagem VDR (valor diário de referência)", permitindo perceber que ingestão de nutrientes se está a fazer em relação ao recomendado. A implantação do sistema na Europa ultrapassa já os 60 por cento. E garante que a marca está a trabalhar na redução: desde 1999, já baixou de forma "gradual" em cerca de 40 por cento este "inimigo".

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