Merkel, "ingénua" e "autista", ouviu de Barroso aquilo que muitos só ousam pensar

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Angela Merkel quer tirar competências à Comissão Europeia INA FASSBENDER/REUTERS

A Alemanha não explicou à sua opinião pública a importância do euro e revelou uma total falta de liderança face ao ataque à moeda única, disse o presidente da Comissão Europeia

No auge do debate explosivo entre os países da União Europeia (UE) sobre a estratégia de saída da crise económica e financeira e a reforma das regras de gestão do euro, Durão Barroso voltou a irritar a Alemanha, ao dizer alto e bom som o que muitos em Bruxelas pensam em voz baixa.

Numa entrevista ao Frankfurter Allgemeine Zeitung publicada no início da semana, o presidente da Comissão Europeia notou que, "nos últimos anos, não se ouviram muitas vozes na política alemã a explicar à opinião pública até que ponto era importante para a Alemanha ter o euro".

Barroso acusou, por outro lado, implicitamente Angela Merkel, chanceler alemã, de ter agravado a crise do euro por causa das suas hesitações sobre o apoio da eurolândia à Grécia. "O nosso processo de decisão durou tempo de mais, e os mercados viram demasiados sinais contraditórios."

E considerou uma "ingenuidade" a Alemanha pensar que conseguirá convencer os parceiros a reabrir o tratado da UE para consagrar as suas pretensões de reforço da disciplina orçamental e das sanções aos países incumpridores, sem que outros governos tentem introduzir alterações em áreas do seu interesse. Isto provocaria inevitavelmente um arrastamento das negociações pouco compatível com a urgência na resolução da crise.

Rainer Brüderle, ministro alemão da Economia, reagiu afirmando-se "admirado" com a crítica de Barroso e considerando "absurdo" que se possa "acusar a Alemanha de ter pouca consciência da Europa". Afinal, Berlim aceitou em Abril a criação de um fundo de 110 mil milhões de euros para a Grécia e outro em Maio de 750 mil milhões de euros para estabilizar o euro. Brüderle não disse que Merkel foi literalmente forçada pelos parceiros, pelos mercados financeiros, e, sobretudo, pelo Presidente americano, Barack Obama, assustado com o risco de contágio da crise do euro à economia mundial.

Os comentários de Barroso têm implícito o que muitos responsáveis e economistas europeus pensam: a Alemanha foi incapaz de perceber os efeitos da crise grega sobre o euro, revelou uma total incapacidade de liderança e teve um comportamento "autista" perante os parceiros, e populista face à sua opinião pública. Se Merkel tivesse permitido que a UE assumisse uma postura de solidariedade face à Grécia no início do ano, teria sido possível acalmar os mercados e estabilizar o euro e não lhe teria custado um cêntimo, afirmam. Ao invés, as suas hesitações alimentaram a incerteza dos mercados, e pior, obrigaram a Alemanha a fazer o que sempre disse que nunca faria: pagar para tirar um país de apuros.

Para evitar uma repetição do "cheque" a países como Portugal ou Espanha, a chanceler quer impor as suas ideias sobre o reforço das regras de gestão do euro. Parece igualmente decidida a varrer do caminho a Comissão Europeia, a instituição que o seu Governo acusa de forma mais ou menos aberta de ter provocado a crise por não ter imposto uma aplicação estrita das regras do pacto de estabilidade do euro na Grécia.

Merkel quer tirar à Comissão as competências na vigilância da política orçamental dos Estados e dá-las ao Banco Central Europeu ou uma agência independente, o que causou estupefacção em vários países.

"As relações entre Berlim e a Comissão Europeia são neste momento desastrosas", diz um analista europeu. "Historicamente, os governos alemães não gostam da Comissão, independentemente do presidente, mas Merkel tem uma opinião muito fraca de Barroso e não o esconde."

A chanceler não se coibiu de criticar Barroso em plena cimeira de líderes dos Vinte e Sete, a 7 de Maio, por um comportamento "indigno" resultante dos seus apelos cada vez mais insistentes em favor da criação urgente de um mecanismo capaz de travar o contágio da crise grega ao resto da eurolândia.

A determinação de Merkel em definir as novas regras do jogo é vista como a contrapartida para que nenhum país seja levado a sair do euro, um cenário encarado cada vez mais a sério em Bruxelas. Só que, em vez de o excluído ser a Grécia, sob a pressão dos mercados financeiros, muitos pensam que esse país pode ser a Alemanha, por vontade própria e para não ter de embarcar num tipo de união económica que muitos parceiros consideram indispensável.

O problema, frisa um responsável europeu, é que "a UE era uma união de fachada e a fachada estilhaçou-se com a crise, que está a funcionar como um revelador de problemas bem profundos". "Os governos estão convencidos que conseguem sair sozinhos da crise e encaram a UE como parte do problema, em vez de parte da solução. Enquanto não perceberem que a integração europeia é o menor dos males e que sem a UE nenhum país tem capacidade para intervir na selva da globalização, e não se decidirem a enfrentar de vez os seus problemas estruturais, a UE não vai sair da crise."

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