Richard Burton

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A primeira vez que falei de Richard Burton em público, um amigo disse-me:

- Acho que pensaram que estavas a falar do marido da Elizabeth Taylor.

Portanto, à segunda vez, quero começar por dizer que o meu Richard Burton não é o da Elizabeth Taylor, infelizmente para ela. Porque Richard Francis Burton, para além de ter sido numa só pessoa "o aventureiro" e "o erudito", sabia sobre sexo tudo o que os ocidentais sabem, mais tudo o que os orientais sabem. Mas como isso aconteceu em meados do século XIX, teria sido mesmo difícil à Taylor casar com ele, ainda que uma só vez.

Não sei se foi a investigação do sexo que o levou a traduzir As Mil e Uma Noites. Sei que traduzir As Mil e Uma Noites o levou à investigação do sexo. E, nisto, teve como cúmplice creio que platónica uma Sherazade inglesa, a gloriosa Jane Digby, de quem falei há algumas crónicas, mulher de um beduíno vinte anos mais novo que ela.

Burton encontrou Digby em Damasco. Ele chegou como cônsul e saiu a achá-la a mulher mais inteligente que conhecera. Ela, que frequentava os haréns como íntima, contou-lhe muito, e isso está na tradução de As Mil e Uma Noites.

Da perspectiva pós-colonial, Richard Burton é a perfeita aspiração do orientalista, ou seja, do que procura conhecer o outro para o dominar. Edward Said acha que ninguém foi tão longe como Burton nesse desafio, e por razões não políticas, puramente pessoais, megalómanas. Muito mais do que um T. E. Lawrence, Burton "foi capaz de se tornar oriental."

O Orientalismo de Said é um daqueles livros que tinham de ser escritos para a História continuar. Mas, isto sabido, podemos ler hoje Burton como uma aventura.

E a minha razão para falar dele hoje é ter levado em braços à altura de três-andares-mais-um vários livros seus, salvos in extremis do vulcão. Aterraram em Lisboa no dia em que a erupção começou, e se não me encontraram logo foi porque eu estava fora.

Peço agora licença às livrarias não-virtuais, mas em que livraria não-virtual podia eu encontrar em minutos, e folhear dias depois, o que veio nestas caixas? Dois dos livros são fac-símiles de edições do século XIX, pouco ou nunca reeditadas. Um deles foi mesmo impresso pela Amazon. E não conheço outra forma de alguém poder ler agora um exemplar virgem da maior aventura de Burton, aquela em que se disfarçou de muçulmano para fazer o haj.

Sabia ele 35 línguas ou 40? Certo é que falava árabe "sem quaisquer erros" e confiava infinitamente nas suas próprias capacidades. Só assim se explica que tenha completado com sucesso - vivo, portanto - essa peregrinação aos lugares de Maomé, absolutamente interdita a não-crentes.

Entre os livros que o vulcão não reteve estão, pois, os dois volumes da sua viagem a Meca e Medina na pele de um derviche ambulante.

Gosto de notícias destas, aguentam séculos.

viagenscombolso@gmail.com

Jornalista

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