Puzzles gregos

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YIORGOS KARAHALIS/REUTERS

No mercado das notícias sobre os pequenos países, como a Grécia, não há lugar para boas notícias

A Grécia (e Portugal) tem sido falada em todos os jornais e televisões desde finais do ano passado. Quando tanto falatório e por tanto tempo tem lugar na comunicação social de todo o mundo sobre um pequeno país, temos uma certeza: o país está com problemas graves e duradouros. No mercado das notícias sobre os pequenos países, como a Grécia, não há lugar para boas notícias.

Não é de surpreender que os gregos tenham problemas graves mas as razões invocadas, as curas sugeridas e as implicações internacionais são surpreendentes. Vejamos alguns puzzles.

Primeiro, a situação orçamental grega era gravíssima e as últimas notícias (de há uns seis meses) apenas confirmam essa gravidade. Antecipam um futuro que, de qualquer modo, estava sempre muito próximo. Ou seja, nada de verdadeiramente novo, apenas anteciparam uns meses aquilo que já se sabia. O puzzle é saber a razão do escândalo.

Segundo, que as autoridades gregas tinham mentido a Bruxelas também não era novidade, apenas o estavam a fazer pela segunda vez. Quem perdeu a reputação de seriedade nada mais tem a perder. Nada de surpreendente, também.

Terceiro, qual a gravidade da Grécia cessar pagamentos? Será um problema para alguns bancos alemães mas será sempre pequeno porque a Grécia é pequena. E será sempre, a existir, um problema das autoridades alemãs.

Quarto, a Grécia é um problema para o euro? Não percebo. A cidade de Nova Iorque teve exactamente esse problema há pouco mais de três décadas, quando deixou de pagar a sua dívida. E a Califórnia de hoje, financeiramente, parece a Grécia. No entanto, ninguém sugeriu que fossem problemas para o dólar. Mais, ninguém sugeriu que Nova Iorque saísse do dólar, quando entrou em bancarrota, e em seguida desvalorizasse a sua moeda. Certamente que a cidade de NY tinha, e tem, um peso económico na economia norte-americana maior que a Grécia tem na União Europeia ou na zona euro. Já nem vale a pena falar da relevância do estado da Califórnia. Também não entendo o drama euro-grego.

Quinto, uma cura sugerida para o problema seria a saída da Grécia do euro, reintroduzir o dracma e desvalorizar. A primeira parte da solução - saída do euro - é estranha vindo de economistas, porque isso implicaria o colapso imediato do sistema bancário grego, o que seria um desastre ainda maior. Se se anunciasse hoje que a Grécia, por hipótese, abandonaria o euro no final do ano, amanhã de manhã haveria uma corrida aos depósitos que provocaria o colapso imediato de todo o sistema bancário grego. Não por ser grego mas de qualquer sistema bancário que sofresse uma corrida aos depósitos. É como sugerir decapitar o sujeito como cura para a calvície.

Sexto puzzle, argumenta-se frequentemente que a Grécia tem um efeito de contágio sobre outras economias, nomeadamente sobre Portugal e Espanha, e que um colapso dos pagamentos do Governo grego implicaria um efeito de dominó sobre as outras economias. Por um lado, só está sujeito a contágio quem se aproxima do doente. E nós andamos por lá e demasiado próximo para o meu gosto. Por outro lado, medindo esse efeito grego pela evolução dos spreads da dívida portuguesa para os bunds alemães não é claro tal contágio. Vejamos: há uma semana, dia 7 de Abril (para mim hoje é quarta-feira), a diferença das taxas das obrigações a 10 anos para as alemãs era de 112 pontos-base (1,12% a mais). Na sexta, estava em 124 pontos. Na segunda-feira, após a euforia do programa de ajuda aos gregos, o spread estava a 114 e hoje, dia 14, mantinha-se a 123. Ou seja, não é para mim claro, como se vê pelos números, que haja contágio significativo. Entendendo-se por contágio, uma causa que nos é alheia. Os nossos problemas actuais são nossos e foram causados pelas nossas políticas erradas no passado mais ou menos recente, é tudo.

Sétimo puzzle, por que será uma vergonha para a União Europeia (UE) a Grécia recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI)? Não há nenhum princípio moral envolvido, por um lado. Por outro, só é um embaraço se a UE clamar que o seja. A União Europeia é um projecto em construção, é uma união de Estados independentes e ainda não tem mecanismos para ocorrer a tais situações. Verdade seja dita que poderia ter previsto que, mais tarde ou mais cedo, tal necessidade viria a ter lugar. Até lá o FMI é a instituição para resolver, com o país em causa, este tipo de problemas. Será quando muito um embaraço para quem não previu que tal problema poderia acontecer, ou seja, é um embaraço para a Comissão e para os Estados- membros que não anteciparam o problema e como tal não tinham uma solução comunitária. É só.

Um país pequeno como a Grécia -ou Portugal - andar nas bocas do mundo só pode querer dizer que há problemas graves. E esses problemas não são de hoje e as causas não são de ontem. Foram as políticas erradas acumuladas ao longo de vários anos. Sempre que alguém lembrava a insustentabilidade das nossas políticas orçamentais a resposta era sempre que tais problemas estavam no futuro longínquo. O futuro desse passado já chegou. Professor universitário

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