Stanley antes de ser Kubrick numa grande exposição em Milão

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Tinha 17 anos, ainda não fazia filmes, mas já fotografava (desde os 13, com uma Leica oferecida pelo pai em dia de aniversário), e nisso estava "à altura de Cartier-Bresson, Walker Evans, Robert Frank, Diane Arbus ou William Eggleston". Antes de ser Kubrick, portanto antes do cinema, Stanley teve uma primeira vida na fotografia - e essa primeira vida está a ser reconstituída até 4 de Julho em Milão, no Palazzo della Ragione. "Stanley Kubrick Fotografo 1945-1950" reúne pela primeira vez um conjunto de 300 imagens publicadas pelo jovem repórter ao serviço da revista "Look" - é só a ponta do icebergue, diz o comissário Rainer Crone -, algumas das quais em (extra! extra!) Portugal, onde Kubrick passou uma temporada acompanhando a viagem de descompressão de um casal americano no pós-guerra, com escala na Nazaré.

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Tinha 17 anos, ainda não fazia filmes, mas já fotografava (desde os 13, com uma Leica oferecida pelo pai em dia de aniversário), e nisso estava "à altura de Cartier-Bresson, Walker Evans, Robert Frank, Diane Arbus ou William Eggleston". Antes de ser Kubrick, portanto antes do cinema, Stanley teve uma primeira vida na fotografia - e essa primeira vida está a ser reconstituída até 4 de Julho em Milão, no Palazzo della Ragione. "Stanley Kubrick Fotografo 1945-1950" reúne pela primeira vez um conjunto de 300 imagens publicadas pelo jovem repórter ao serviço da revista "Look" - é só a ponta do icebergue, diz o comissário Rainer Crone -, algumas das quais em (extra! extra!) Portugal, onde Kubrick passou uma temporada acompanhando a viagem de descompressão de um casal americano no pós-guerra, com escala na Nazaré.

Além de Portugal, há Montgomery Clift, Rocky Graziano e Betsy Furstenberg nos cinco anos de Kubrick na "Look", mais o dixieland de Nova Orleães, os miúdos de rua de Nova Iorque, os órfãos de guerra do Illinois e a elite americana (porque isto era a América em ressaca, sim, mas também era a América que tinha vindo para a Europa e para o Pacífico salvar o mundo) no campus da Universidade de Columbia. Kubrick (Nova Iorque, 1928-Harpenden, 1999), que publicou a sua primeira fotografia a 26 de Junho de 1945 - o retrato do dono de um quiosque a ler, devastado, a notícia da morte de Franlin D. Roosevelt -, foi o mais jovem fotógrafo de sempre contratado pela "Look". O "modus operandi da revista" foi uma escola para ele: a "Look" contava histórias por episódios e exigia dos seus repórteres um acompanhamento obsessivo, e o mais naturalista possível, dos protagonistas das reportagens. Para esse efeito, Kubrick actuava quase sempre "undercover", encobrindo a câmara debaixo do casaco e disparando através de um minúsculo interruptor escondido na mão.

Além de documentarem uma era, diz o comissário da exposição, estas imagens "espantam pela sua surpreendente profundidade", antecipando o modo engenhoso como Kubrick tiraria partido dos recursos técnicos à sua disposição para representar e interpretar a realidade. Foi de resto com o seu salário de repórter fotográfico que Kubrick pagou os seus cursos na escola de cinema - quando terminou o quarto, despediu-se da "Look" para ir fazer filmes. Só na década de 50 terminou cinco: "Fear and Desire" (1953), "Killer's Kiss" (1955), "Um Roubo no Hipódromo" (1956), "Horizontes de Glória" (1957) e "Spartacus" (1959).

Mesmo sendo já uma amostra impressionante da produção fotográfica do cineasta, "as imagens publicadas pela Look constituem apenas uma mínima parte dos cerca de dois mil negativos arquivados [na Biblioteca do Congresso, em Washington, e no Museu da Cidade de Nova Iorque]", sublinha o comissário. Crone visitou Kubrick um ano antes da sua morte, em 1998, e pediu-lhe autorização para o ressuscitar como fotógrafo: "Confesso que esperava que ele me dissesse: "À vontade, entra: tenho negativos, provas fotográficas, todo o meu arquivo bem guardadinho no sótão'. Mas não foi assim. Ficou muito contente com a minha intenção de resgatar essa parte da sua produção, mas não fazia a mais remota ideia do local onde poderia encontrar-se o material, não tinha uma única impressão original e não era sequer proprietário dos direitos dos negativos", contou ao "El País". Precisou de 12 anos para perceber que a "Look" tinha oferecido em 1952 grande parte do arquivo Kubrick ao Museu da Cidade de Nova Iorque. Desde esse ano, nunca mais tinham sido vistos. É todo um Stanley a caminho de ser Kubrick: "As fotos dos negros de Chicago, que não conseguem fazer chegar o dinheiro até ao fim do mês mas fazem ostentação comendo nos melhores restaurantes, têm por trás o mesmo olhar ambíguo e desenfadado de 'Laranja Mecânica' e 'Barry Lindon'".