O último pecado sexual

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DANIEL ROCHA

Anteontem, Sexta-Feira Santa, o cardeal-patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, disse solenemente o seguinte sobre a pedofilia: "Senhor, perdoai os pecados da Vossa Igreja". Nisto não fez mais do que seguir o Papa que já dissera que a pedofilia era um pecado e um "crime" e que tinha feito mais para "obscurecer a luz do Evangelho" do que séculos de perseguição. Na América, na Irlanda, na Áustria, no Brasil, em Inglaterra e em Itália, a hierarquia repetiu Ratzinger. Não se vê como há ainda quem acuse a Igreja de esconder o escândalo ou de o tentar diminuir, porque alguns padres não foram devidamente punidos, nem suspensos. Muito ao contrário, pela primeira vez na sua história, a Igreja revelou a tempo o que se passava na sua vida interna e castigou os culpados pelo mundo inteiro, sem tentar defender o prestígio exterior da instituição.

Mas quem não é católico fica com certeza um pouco espantado com a veemência do Papa (e de quase todo o clero) neste caso da pedofilia. Evidentemente, a natureza monstruosa da pedofilia indigna. Mas quem sabe a sério alguma coisa sobre o duvidoso passado da Igreja Romana, também sabe que ela nunca hesitou em matar, torturar e escravizar e de mil maneiras, pela acção ou pela omissão "obscurecer a luz do Evangelho". Basta pensar, para não ir mais longe, na contribuição que deu para o anti-semitismo, declarando deicida o povo judeu, e ultimamente na impassibilidade com que assistiu ao Holocausto, em pura defesa do seu sossego e privilégios. Perante a Inquisição e os campos de extermínio do III Reich (cuja existência Pio XII não ignorava), a pedofilia de umas centenas de padres não parece justificar um arrependimento tão efusivo.

Claro que os tempos mudaram. A Igreja perdeu a sua autoridade e eminência e o Ocidente, descristianizado, já não lhe permite guardar os seus segredos como antigamente. De resto, a vida hoje é pública e tudo acaba sempre por vir à superfície. Talvez, por isso, seja melhor confessar com drama do que esconder com hipocrisia. Mas, mesmo assim, transpira do episódio da pedofilia uma certa pruriência, típica de uma religião aflitivamente preocupada com o sexo e perpetuamente transgredindo as suas próprias regras. Desde o princípio que o seu clero não se distinguiu, neste capítulo, por uma particular "virtude", sem atrair sobre si a cólera de Roma. Atraiu agora, e com uma retumbância suspeita, porque a pedofilia é o pecado sexual do século, o único que resta.

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