Xeque aos reis

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"Nenhuma câmara municipal portuguesa cumpre a lei no que diz respeito ao tempo que o semáforo das passadeiras deve permanecer verde para os peões." Assim arrancava a reportagem de Aníbal Rodrigues no PÚBLICO de ontem. Nem uma? Nenhuma. É por isso que os velhotes são obrigados a empregar uma complexa linguagem gestual quando se atrevem a usar uma passadeira. Uma mão pede para não atropelar; a outra agradece antecipadamente a fineza.

A terminologia diz tudo. No tabuleiro do trânsito, como no xadrez, os peões são peões e as viaturas são cavalos (cavalos), bispos (bicicletas), torres (motas), damas (camiões) e reis (carros). A palavra "automóvel" deveria usar-se para quem se movesse por si próprio: os peões. Os ditos automóveis precisam de combustível e sei lá mais o quê para se moverem. Enquanto se chamar peões aos peões, os reizinhos da estrada continuarão a sacrificá-los. É preciso uma palavra mais digna e moderna, como biomarchantes ou andarilhos verdes: seres humanos que escolhem a marcha para poupar o planeta.

Instalem-se pre-semáforos a 50 metros da passadeira, para os carros pararem longe dos atravessantes. São os motoristas que incomodam os marchantes. Tornam qualquer passeio num estorvo. Deveriam ser eles a agradecer aos peões ("Obrigado por desimpedir a estrada, amigo!"). Em Portugal é ao contrário e muitos motoristas ofendem-se se o peão não agradece, arrancando à Alonso. Há que multar qualquer má criação ao volante.

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