Memórias de reis e princesas

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Espaço escolhido pela realeza para rezar e pernoitar desde o século XV, o Convento do Espinheiro, sobranceiro a Évora, deve muito do seu charme às raízes religiosas. Tal como os monges jerónimos que ali viveram, também os hóspedes são agora tratados com todas as atenções, como sentiram Maria Lopes (texto) e Pedro Cunha (fotos). A lista de prémios comprova-o

Poucos hotéis nacionais terão o seu percurso tão ligado à história de Portugal como o Convento do Espinheiro, situado numa pequena colina à saída de Évora para Estremoz, rodeado de campos de pasto e oliveiras. Aqui, segundo se conta, reuniu D. João II as Cortes de 1481; aqui esteve hospedada a princesa D. Isabel aquando do noivado com D. Afonso - e aqui terão passado a primeira noite juntos - , mas também por aqui passaram D. Manuel I - aqui terá recebido a boa nova da chegada de Vasco da Gama à Índia - , D. Afonso V e até D. Sebastião.

Mas a história do local remonta a uma aparição da Virgem sobre um espinheiro a um pastor, por volta de 1400. A fé do povo levou a que o cónego Luís Gonçalves construísse uma ermida em honra de Nossa Senhora do Espinheiro em 1412 e, com o aumento das peregrinações ao local, fundou-se ali uma igreja em 1458 e o bispo eborense, D. Vasco Perdigão, mandou erguer o convento com a ajuda da Coroa, que apenas exigiu que o espaço tivesse condições para que a família real ali pudesse rezar e pernoitar. O convento foi atribuído à Ordem de S. Jerónimo, a mesma do mosteiro lisboeta da zona de Belém, e protegida pela Casa Real.

Os jerónimos não eram monges de clausura ou de voto de pobreza, antes se dedicavam ao estudo, e a vida naquele convento era confortável. Isso percebe-se na actual sala do bar Pulpitus, antiga cozinha do convento, onde permanece a enorme lareira e também o grande forno - usado agora para actividades em que se ensinam os hóspedes a fazer pão alentejano e a assar borrego; no tamanho da cisterna, mas também nas grandes salas então de leitura, ou de refeições, e nos relatos das riquezas do convento, do vinho à fruta, do azeite à horta e animais domésticos - tudo produzido por 35 monges e 20 empregados, de camareiros a alfaiates.

Sendo do agrado do rei, o espaço era obviamente cobiçado pela nobreza, que começou a querer fazer do chão da capela a sua última morada. Pagando para isso - e muito (quando foi extinta, a ordem tinha 21 herdades que arrendava e de onde tirava sustento). Ali há túmulos das famílias Castro, Mascarenhas e até Távoras - que viram os nomes das sepulturas picados aquando da perseguição do Marquês de Pombal -, e estiveram aqui vários príncipes, depois trasladados para Lisboa por ordem de Filipe II. A sul do Tejo não haverá outro panteão tão rico.

Como não há hoje padres suficientes em Évora, só se reza ali missa uma vez por mês. O altar é ricamente decorado com retábulos de talha dourada, nas paredes há painéis de azulejos do século XVIII retratando a vida de S. Jerónimo, mas faltam as telas pintadas por Frei Carlos, que estão no Museu de Évora - algumas chegaram mesmo a apodrecer. Diversas capelas foram sendo acrescentadas, incluindo a capela do Senhor Morto (século XVII), onde jaz uma imagem de Cristo sem barba. O órgão, fabricado por um italiano em troca de uma porca e alguns alqueires de trigo, aguarda reparação.

De todo o conjunto, apenas a pequena capela mandada erguer por Garcia de Resende, nas traseiras do edifício maior, está classificada como monumento nacional. O que até nem parece ter grandes vantagens: o hotel não pode fazer qualquer obra de conservação, apenas caiar as paredes. A pedra de mármore branco alvo e trabalhado do túmulo já sofreu muitos percalços e até andou a servir de tampo de mesa em casa de um lavrador e precisava de ser conservada.

Palmarés de prémios

Abandonado durante décadas no século XX, a propriedade foi comprada em 1999 por uma família abastada madeirense. Inaugurado na Primavera de 2005, o Convento do Espinheiro está integrado na exclusiva rede Luxury Collection Hotel & Spa, o que é um excelente cartão de visita. A lista de prémios (nacionais e internacionais) já está muito bem composta, sendo o último a distinção pela Travel and Leisure como um dos 500 melhores hotéis do mundo. Mas desde 2006 que os Óscares do turismo, os World Travel Awards, classificam, todos os anos, o seu spa como o melhor do país. Em 2006, a Condé Nast Traveller distinguiu o hotel como um dos 60 melhores novos hotéis do mundo, e em 2008 classificou-o como o terceiro dos 25 melhores resorts europeus.

Se em 2005 abriu com duas alas de decoração mais tradicional, no ano passado foi inaugurada uma nova ala, com quartos de design moderno. A ala antiga foi decorada pelo arquitecto de origem argentina Perez Ipar, a nova é do designer Leo Marote.

Os quartos da primeira são mais monumentais, com cabeceiras de madeira trabalhada, cortinas pesadas, tapetes com arabescos. Na ala mais recente, o solitário cadeirão Bubble de Eero Aarnio que balança ao fundo do corredor, enquadrado com a enorme janela que abre sobre o prado e o olival, é o símbolo do design dos novos quartos, que só se descobre ao abrir da porta. As camas são de princesa moderna - as verdadeiras eram minúsculas quando comparadas com estas, gigantescas, com almofadas fofas que apetece aconchegar nos braços. Os tons são neutros, entre o branco, preto, cinza e creme. Cada um tem uma pintura original de Bela Silva, candeeiros cromados e de plástico transparente, um grande espelho e peças de assinaturas de peso, como as cadeiras Dolce & Gabanna. Em todas as casas de banho impera o mármore branco de Estremoz.

A grande estratégia do hotel é maximizar a sua ligação ao Alentejo, tanto nas actividades que proporciona aos hóspedes como no aproveitamento dos jardins e horta, mas sobretudo no restaurante e em elementos de decoração. Há móveis recuperados do antigo convento, outros adquiridos em antiquários. Nas zonas comuns, no antigo convento, todo o chão é de baldosa, uma tijoleira feita à mão mesmo ali em Évora.

Mimos para o corpo

Nos restaurantes Divinus (na antiga adega onde ainda há várias talhas gigantescas) e Claustrus (para pequenos-almoços e almoços à la carte no claustro de transição manuelino-renascentista), a lista mostra a fusão da gastronomia local com influências modernas. E é a própria carta que avisa que "o chefe e a sua brigada fazem esta ciência, do azeite biológico de galega e cordovil, à carne do montado, do pão de Guadalupe aos aromas que crescem espontaneamente nas tórridas planícies alentejanas".

Há sopas de tomate com aromas da nossa terra, do fumeiro (ambas a 10 euros), migas várias - de coentros, tomate, espargos com mioleira de porco frita, presunto seco ou morcela - a 7,50 euros, mas também salada morna de bacalhau com pimento assado (10,50), cação de coentrada (24), açorda de bacalhau num piso de coentros frescos e pão duro de Guadalupe (14), lebre ao forno com uma acelga sobre uma crosta de arroz carolino (26,50) ou touro de lide com foie gras e legumes glaciados (29) - e isto só para dar alguns exemplos. A finalizar, propõe-se, por exemplo, a incontornável sericá com ameixa de Elvas (7 euros), tarte de requeijão e marmelo numa redução de Mouchão e romã com gelado de rosa (11) ou dueto de azeite com um caramelo balsâmico e azeitona confitada (12). A acompanhar o café, deixaram-se cair os bombons e os petit-fours e optou-se por uns rebuçados de escorcioneira, feitos a partir da raiz de uma erva comum na região, mas que estava quase em vias de extinção e que o hotel agora cultiva na sua horta.

No wine bar, um espaço naturalmente fresco pois é a antiga cisterna, há dezenas de vinhos diferentes que o escanção Cristiano Santos costuma dar ali a provar às quartas-feiras aos hóspedes e comensais do restaurante. Ao fim da tarde, à volta das duas mesas de alabastro iluminado, há uma conversa sobre vinhos ou agricultura em geral com um produtor convidado - já por lá passaram o Esporão, Cartuxa, Luís Pato, José Maria da Fonseca e Bacalhoa.

Que não seja de barriga cheia, mas não se saia do Convento do Espinheiro sem uma passagem pelo seu spa. Não faltam tratamentos na longa lista: para ela, para ele, para ambos e até para bebés. Com pedras quentes, envolvimentos em chocolate, em extracto de uva, hidratante, desintoxicante, relaxante, anti-stress e outros. Mas também há tratamentos especiais, com esfoliações e massagens diversas, dedicados às costas, pernas ou rosto, hidroterapia (diversos tipos de banhos, incluindo o Cleópatra e o de uva). E as "pequenas extravagâncias conventuais": o envolvimento gold star e a massagem com néctar de ouro, ambos com cremes e óleos de tom dourado, o facial com pérolas negras. Enfim, dignos de princesas.

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