Yerba, a terra que luta por um cemitério nuclear

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Ascó tem uma central nuclear e rivaliza com Yerba na candidatura GUSTAU NACARINO/reuters

A promessa de melhor vida e mais prosperidade parece ter convencido uma pequena localidade na província de Guadalajara

Depois de rectas de bom piso, delimitadas por planícies em repouso agrícola com farrapos de neve, umas quantas curvas anunciam o povoado. À entrada, um cartaz desbotado de uma urbanização que não lançou raízes: "Saber escolher é saber viver." A opção não foi feita. A localidade tem 567 habitantes, bem longe dos 1500 de outrora. Esta terra incaracterística, que não cativa o olhar nem desperta interesse, saltou do anonimato de Castela-la-Mancha. Yerba luta pelo armazém temporário centralizado (ATC), um cemitério nuclear com capacidade para 12,8 mil metros cúbicos, cuja construção foi proposta pelo Governo espanhol aos municípios do país. Para aí concentrar os resíduos das oito centrais nucleares em funcionamento.

"Na terra há um núcleo de gente jovem, mas a maioria são idosos...", explica Maria Isabel Ibañez, 39 anos, autocolante "NO" ao peito, quando uma algazarra a interrompe. São vozes femininas. "Vou apresentar queixa", grita Sónia. Reponde-lhe uma idosa com gesto largo da mão direita, a esquerda empurrando o carrinho das compras: "És uma mentirosa, men-ti-rosa." Um homem interpela a anciã: "Vamos, Marga, é isso que elas querem." Uma disputa entre vizinhos, ódios antigos e reparos de décadas que afloram agora. Com crueza e gritaria. Pelo ACT, como dizem os seus defensores. Devido ao cemitério nuclear, segundo os opositores. A disputa verbal termina com referências a um primo. Chocada, Sónia partiu rumo ao quartel da Guardia Civil e à queixa de retaliação.

Horas depois, o incidente ainda era comentado no restaurante La Curva. Fronteiro à câmara municipal, a casa coincide na escolha da vereação: por cinco votos a favor, do Partido Popular, contra os dois vereadores socialistas. La Curva está com o ACT. Por isso, a sua fachada está imaculada de cartazes de fundo amarelo contrários ao cemitério que são maioria na praça rectangular. Também há faixas nalgumas janelas e dois murais. Sinais de um fim-de-semana de agitprop, antes da votação na passada terça-feira.

"Porque não te calas?"

"Perdi três clientes do não, os únicos que aqui vinham, a maioria desses vive fora daqui", relata Loly Martin, à frente de La Curva e da associação empresarial da terra. De início, Loly resiste em falar. "Vocês escrevem o que querem", queixa-se. Mas cede. Entusiasma-se. Mostra as fotografias da visita que fizeram ao ACT de Habog, em Borselle, Holanda: construções industriais rodeadas de jardins. "Tomara eu!", diz com um suspiro. E enumera os diversos seminários para que foi convidada. "Alguns dos que estão contra também foram nestas viagens, mas de turismo", acusa. Uma reprimenda a "maus alunos". Está convictamente a favor. Sem dúvidas.

Um cachecol, pendurado na parede do restaurante, simboliza a sua veemência: "Porque não te calas?" A um dos lados da frase está o escudo da Casa Real, do outro, o desenho da Venezuela. A recordação da disputa do Rei Juan Carlos e Hugo Chávez, na cimeira ibero-americana de 2007, no Chile.

Mas há dissidentes. "Não quero o cemitério porque é perigoso", diz José António Garcia, 36 anos, um desempregado que dentro de dias parte para Madrid como jardineiro. Não o convence a propaganda de pão e trabalho: 700 milhões de euros de investimento, 300 a 500 postos de trabalho em parques empresarial e tecnológico, e seis milhões de euros anuais para o município. "No cemitério vai haver trabalho enquanto o construírem, depois vão todos para o olho da rua", afirma. Ao autocolante no blusão José António junta um pin evocativo da disputa de Yebra. Antevê o futuro da sua terra com o cemitério: "Ninguém virá mais por aqui."

Não é essa a opinião de José Ângel Barco, 52 anos, com amigos em Portugal: "Um historiador, já pessoa de idade, com apelido Yebra." José fez de tudo da vida: pedreiro, ferreiro, agricultor. Das três filhas, duas já partiram para a cidade. A mais nova, de 17 anos, vai a seguir: "Quer ser esteticista." Por isso, o cemitério que para ele é o ACT é um sonho não um pesadelo "Não temos indústria, a agricultura pouco dá, o ACT vai dar trabalho e não é perigoso."

Governo devia ter liderado

Faz o papel de anfitrião de Yebra. Lamenta a gritaria. Desdramatiza: "A terra não está dividida, muitos dos que estão contra vêm só ao fim-de-semana, vivem em Guadalajara, há 40 anos que temos a central nuclear de Zorita [a 12 quilómetros] e nunca houve queixa, sempre se pôde vender os produtos da terra." Contudo, José tem um lamento: "Os interesses de Espanha deviam estar acima dos interesses dos políticos." Uma observação que levou a uma estranha unanimidade de editoriais da imprensa espanhola criticando os partidos.

Os reparos são subscritos pelo alcaide Pedro Sánchez, 47 anos, autor da candidatura de Yebra. "O Ministério da Indústria devia ter liderado este projecto e não deixá-lo para nós, diz-se que é um projecto de Estado mas quem avança são os alcaides", refere. Não está desconfortável. Uma sua vereadora recebeu uma ameaça telefónica, mas não dá importância. No entanto, a opção pelo nuclear afectou a sua família: "No Natal estivemos nas mesmas festas, mas o tratamento com o meu cunhado não é o mesmo, é melhor não falarmos."

Conforta-o a convicção de "que a imensa maioria dos que vivem em Yebra está a favor, e o mesmo acontece na maior parte dos municípios da zona, mas nem todos se envolvem". Se a sua terra ganhar a candidatura, ainda não pensou onde vai investir os seis milhões de euros anuais. Nem na localização dos 20 hectares para o ACT: "Temos seis mil hectares, há vários sítios possíveis." Para ele não há problemas de segurança. Nem de incompatibilidades, por trabalhar numa empresa subcontratada para o desmantelamento da central de Zorita, que fechou em 2006. Tem uma certeza: "Nas próximas eleições, vou-me recandidatar."

Diferente é o discurso de Cláudio Padrino, 52 anos, um dos vereadores socialistas que votou contra. "Esta é uma sociedade rural onde o emprego não é muito necessário", diz o ganadeiro, que vende 20 por cento da sua produção de ovos para a Europa. Em Yebra, o desemprego de 15 por cento está abaixo da média nacional.

Cláudio está preocupado com o futuro da denominação de origem do vinho de Mondejar e da produção de azeite. Revela que não foi convidado a visitar a ATC holandesa e critica a inexistência de um estudo sobre o futuro, com cemitério nuclear, das empresas da zona. "Na verdade, não sei se concordo com uma mudança radical do nosso estilo de vida", sublinha. E observa: "Fiquei surpreendido pela decisão do Governo, estou apreensivo."

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