Passar a fronteira como os contrabandistas

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Nasceram numa Europa sem fronteiras. Para os mais novos, não é fácil imaginá-las com guardas a revistarem os carros. A dificuldade é maior quando se fala em contrabando e caminhadas nocturnas com sacas de café às costas, testemunharam Bárbara Wong (texto) e António Carrapato (fotos)

O percurso é gratuito porque pode ser feito por conta própria, ou seja, no posto de turismo de Marvão a família pede um folheto onde o percurso vem identificado. Assim que chegar junto à igreja de Galegos, pode seguir as marcas que o identificam. Se quiser fazer com António Garraio, o melhor é juntar um grupo e pedir um orçamento.

A partir do Porto ou de Lisboa, seguir na A1 em direcção a Torres Novas, sair para a A23, sair na saída 15 - Portalegre/Nisa, continuar no IP2 para Portalegre, não entrar na cidade e seguir na N359 para Marvão.

Restaurante Doces & Companhia

Praça D. Pedro V, n.º 6

7320 Castelo de Vide

Tel.: 245 901 408; 917 188 002

Um dia não são dias e depois da energia despendida há que repor os açúcares, perdão, as energias, de preferência com a melhor qualidade. No Doces & Companhia, bem no centro de Castelo de Vide, é possível fazer um almoço completo com sopa e prato, para comer de garfo e faca, ou umas sandes gigantescas e saborosas de carne, frango, atum, etc. Mas ninguém pode sair sem provar os doces típicos da região, com origem nas melhores receitas conventuais, além do bolo de chocolate ou de nozes.

Posto de Turismo de Marvão

Largo de Santa Maria

7330-101 Marvão

Tel.: 245 909 131

Fax: 245 993 526

Email: turismo@cm-marvao.pt

www.rtsm.ptA subida faz-se quase a pique. As rochas de granito estão molhadas da chuva da noite e da humidade da manhã, por isso é preciso ir com cuidado para não escorregar. Depois de alguns minutos em silêncio, à procura do melhor sítio para pousar o pé, faz-se uma paragem a meio da subida. A respiração afogueada procura voltar ao ritmo normal. Os olhos percorrem o vale: de um lado é Espanha, do outro é Portugal. "Agora imaginem o que é fazer este caminho com 40 quilos de café às costas e de noite para não ser visto pela Guarda Fiscal", propõe António Garraio, que caminha à frente.

O contrabando, não só de café mas de outras mercadorias, parece ter existido desde sempre na zona fronteiriça, entre o Alto Alentejo e a Extremadura espanhola. Pelo menos faz parte das histórias de família de António Garraio, 47 anos, funcionário da autarquia de Marvão e que imaginou um passeio pedestre a que deu o nome de Percurso Romântico do Contrabando de Café.

Vestidos e com calçado adequado para grandes caminhadas, os caminhantes estão prontos para iniciar o percurso, que começa frente à igreja de Galegos, a poucos quilómetros da vila de Marvão. É ao pé da igreja que se deixa o carro estacionado. Depois, por uma estrada de terra batida, os pés escorregam na lama e o caminho faz-se entre muros feitos de granito, com as pedras bem encaixadas umas nas outras. De um lado e do outro há oliveiras, sobreiros e castanheiros. Lá ao fundo, por cima de Galegos, vê-se um pequeno aglomerado de casas; parecem estar longe e não imaginamos que seja possível chegar lá pelo nosso próprio pé.

Mas os olhos enganam. E a caminhada prossegue. Não há um caminho único do contrabando - nem sequer havia caminhos, qualquer percurso podia ser usado para o fazer, o objectivo era não ser visto pela Guarda Fiscal. Por isso, a serra de São Mamede era percorrida de noite por pessoas que faziam do contrabando um modo de subsistência. Não era sequer algo muito organizado, por exemplo com carrinhas, como acontecia noutras regiões.

António Garraio recorda que o contrabando podia ser feito por qualquer um: pelo garoto que escondia um quilo de café nos calções ou pela idosa que passava uns ovos para o outro lado da fronteira, na altura da Guerra Civil espanhola, quando muitos espanhóis passavam fome.

Para os mais novos, que nasceram numa Europa sem fronteiras e para quem as fronteiras ficam nos aeroportos, é difícil imaginar que era preciso autorização para passar de Portugal para Espanha; que as bagagens era revistas; e que certos produtos tão banais quanto os de mercearia, os caramelos ou a farinha não pudessem atravessar a fronteira. "Tudo o que tivesse valor comercial passava", resume António Garraio.

Contrabando a sair pela janela

Hoje, como então, a linha da fronteira é visível nos marcos de pedra, de um lado, o "P" de Portugal, do outro, o "E" de Espanha. "Agora tenho um pé em Espanha, agora estou em Portugal. Espanha! Portugal! Espanha! Portugal!" A brincadeira dos mais pequenos, as corridas de um lado para o outro da fronteira, não param, às portas de Fontañera, uma aldeia que a grafia denuncia ser espanhola. A terra não cresceu em volta da fonte que a abastece, mas ao longo da estrada, em direcção à fronteira com Portugal, mostra António Garraio. Por causa do contrabando, acredita e fundamenta: as últimas casas, junto à fronteira, eram lojas e têm todas janelas para trás. "Os guardas fiscais podiam estar a beber uma cerveja e o contrabando a sair pela janela das traseiras", ilustra. Como só havia uma estrada, quando a guarda espanhola chegava à aldeia, os habitantes avisavam-se uns aos outros e assim que as autoridades chegavam junto à fronteira já não apanhavam ninguém.

Pausa para descansar e para ver as muralhas de Marvão, que rodeiam a vila. Ao lado da última casa de Fontañera fica a primeira casa portuguesa, hoje uma ruína, a pouco mais de um quilómetro de Galegos, onde, durante o tempo áureo do contrabando, também havia diversas lojas, como em Fontañera. Hoje, de um lado e do outro, as lojas, ou "comércios", estão fechadas e as aldeias pouco habitadas.

A caminhada continua, ao todo são sete quilómetros num percurso circular que começa e acaba em Galegos. A partir de Fontañera segue-se pela estrada em direcção a Pitaranha, uma aldeia portuguesa rodeada de Espanha por todos os lados, menos por um, onde ainda é possível encontrar mulheres que recordam esse tempo e são elas próprias personagens das histórias do contrabando.

A paisagem é constante: muros de granito, oliveiras, castanheiros, sobreiros e uma pegada de javali, outra à frente - e um buraco feito com o focinho para o animal poder beber água. A serra é habitada por muitos animais selvagens (e não só). A subida continua e parece que se caminha em terra de ninguém. Garraio diz que esta zona se chama Dúvida, porque não sabemos bem se pisamos terra portuguesa ou espanhola até chegarmos ao topo, junto a mais um marco, desta vez colocado em cima de uma rocha de granito.

A vista impressiona. Ao fundo vê-se a cidade espanhola de Valência de Alcântara; do lado de cá, a paisagem, o verde, as rochas e um rebanho que pasta sereno lá muito ao fundo. Para os mais afoitos, o passeio pode prosseguir por umas escarpas acima, as Penhas da Esparoeira, imponentes, com cerca de 300 metros de altura. Dali será possível ver toda a Extremadura espanhola, até Madrid, imagina-se. Para os menos aventureiros, sugere-se o regresso a Galegos, junto a um riacho que vai cheio, em cascata, por causa das últimas chuvas, e que lembra outras serras, como a do Gerês.

A partir de Setembro, altura em que Marvão se engalana para receber a Feira do Café, o percurso vai mudar e entrar mais em Espanha. Será verdadeiramente internacional, congratula-se António Garraio.

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