Torne-se perito

Estudo desmascara gene implicado nos cancros mais agressivos do cérebro

É a história de uma bala e um gatilho. Cientistas analisaram cem tumores e identificaram um novo biomarcador que levará a terapias mais eficazes

É como se tivesse encontrado um "gatilho" e uma "bala" implicados no grave cenário de um cancro do cérebro, conhecido por glioblastoma. Mais do que isso, são "armas" envolvidas no grupo de doentes com menor taxa de sobrevivência que sofrem deste tumor devastador. Os dados revelados ontem na revista Cancer Research pela investigação, coordenada pelo Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde da Universidade do Minho (UM), oferecem a possibilidade de um novo biomarcador que poderá ser levado para a prática clínica, ajudando a detectar quais são os casos mais graves e qual a melhor terapia.

Vamos chamar as coisas pelos nomes, por mais complicado que possa soar: o gene chama-se HOXA9 e é um dos 11 que fazem parte do cluster de genes HOXA, que têm um papel importante no terreno dos tumores dado terem uma forte influência no normal desenvolvimento embrionário. Num cérebro normal, sem nenhum tumor, o HOXA9 está silenciado. Porém, num cérebro afectado por um glioblastoma, o mesmo gene encontra-se activo.

A diferença no funcionamento já tinha sido detectada e associada ao cancro, mas pouco se sabia das reais implicações no prognóstico de um doente com um tumor no cérebro. Ou seja: sim. OK. Está ligado. Mas e o que é que isso quer dizer? O trabalho dos investigadores da UM mostrou que o facto de este gene estar expresso num glioblastoma significa que estamos perante um grupo de doentes com a forma mais agressiva deste cancro. Detectar esta sobreexpressão do HOXA9 poderá assim ajudar a definir mais rapidamente eficazes estratégias de ataque.

"Os resultados obtidos neste trabalho poderão ter implicações futuras ao nível da estratificação de pacientes para diferentes abordagens terapêuticas, evitando que se utilize regimes de quimioterapia ineficazes, que usualmente apresentam efeitos nefastos e são muito caros", diz Bruno Santos, autor principal do artigo. E, num cenário dramático que nos revela que a média de esperança de vida de um doente com um glioblastoma é de 12 meses, será fácil perceber a importância desta capacidade de diagnosticar com precisão o tipo de "inimigo" a enfrentar.

Mas há mais. A "bala" está lá e está activa, mas o que é que apertou o gatilho? A equipa da UM também quis encontrar uma resposta para isso e, mais uma vez, deparamos com um nome complicado: o PI3K. É esta a via que possibilita a transmissão de uma mensagem ao núcleo das células capaz de alterar a expressão do gene. É por esta estrada que vai o sinal que liga o gene, ou seja, é aqui que se aperta o gatilho.

"A identificação da sobreexpressão do HOXA9 e da alteração da via do PI3K neste subgrupo de glioblastomas com menores taxas de sobrevivência poderá contribuir para novos fármacos para inibir estas moléculas e, dessa forma, atacar estes tumores devastadores de forma mais eficaz na clínica", reforça Bruno Costa.

Aplicação clínica

O investigador refere que o estudo foi iniciado em 2002 com o recrutamento dos doentes. Foram reunidas 109 amostras de glioblastomas - os investigadores fizeram questão de recrutar amostras em duas instituições clínicas, as universidades da Califórnia e do Texas -, que foram testadas entre 2006 e 2007.

O passo seguinte da pesquisa, adianta Bruno Costa, será confirmar os resultados para considerar o recurso a este biomarcador na prática clínica. Actualmente, existe outro marcador para o cancro do cérebro identificado e que se encontra em fase de ensaios clínicos (MGMT), mas que não servirá para detectar este subgrupo mais agressivo. Segundo Bruno Costa, é preciso ainda conhecer melhor os facilitadores do efeito do gatilho - o conjunto de moléculas que interferem na transmissão do sinal dado pelo PI3K e que "liga" o gene HOXA9.

Assim, o estudo abre duas promissoras oportunidades: encontrar novos fármacos capazes de inibir a função do HOXA9 (desactivar a bala) ou actuar a montante, no gatilho, e interferir na transmissão da mensagem através das moléculas que ajudam o PI3K.

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