Torne-se perito

Mundo em contra-relógio para salvar o Haiti

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Uma mãe com um filho e uma filha num hospital improvisado LOGAN ABASSI/AFP

As estimativas mais recentes apontam para entre 45 mil e 50 mil vítimas mortais. Os vivos desesperam pela salvação que começou a chegar a conta-gotas a Port au Prince

Com a chegada das primeiras equipas estrangeiras ao Haiti, intensificaram-se os trabalhos de resgate dos sobreviventes há mais de dois dias presos nos escombros dos edifícios que ruíram com o violento terramoto de terça-feira à tarde, de magnitude sete na escala de Richter. Dos destroços, uma amálgama de cimento, pedra e ferro, podiam ainda ouvir-se os gritos pedindo ajuda.

As operações de resgate em curso tinham três ordens de prioridade: a limpeza das ruas para permitir a circulação de veículos de emergência; a remoção do entulho em busca de sobreviventes e o tratamento dos feridos. Enquanto isso, milhares e milhares de pessoas continuam nas ruas, sob um sol escaldante. Port au Prince continua sem electricidade nem água potável e quase sem acesso a telecomunicações.

"Muita, muita mais ajuda está a caminho", prometeu ontem o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que disponibilizou cem milhões de dólares (69 milhões de euros, igual ao montante anunciado também pelo FMI) em ajuda financeira para o Haiti e já fez partir para a região 3500 soldados e 2200 fuzileiros, 300 médicos, vários helicópteros da Guarda Costeira, fragatas, três barcos anfíbios, um hospital naval e um porta-aviões.

"Lançámos uma grande operação, rápida, agressiva e coordenada, para salvar vidas e apoiar a reconstrução no Haiti. A população haitiana não será abandonada nem esquecida. A América e todo o mundo está convosco", garantiu Obama. O Presidente americano avisou, porém, que a ajuda poderia demorar algum tempo até alcançar os destinatários. "Nada disto parece rápido para quem permanece preso nos escombros, para quem dorme na rua ou para quem não tem que comer", reconheceu.

O Exército americano assumiu o controlo do aeroporto internacional de Port au Prince, de forma a coordenar as chegadas e partidas dos aviões de carga com ajuda e mantimentos, que agora podem aterrar ao longo do dia e também durante a noite. Voos provenientes de vários pontos do mundo trouxeram maquinaria, estações de tratamento de água, tendas, um hospital de campanha, medicamentos e mantimentos. Em curso está aquilo que Obama qualificou como uma das maiores operações de ajuda humanitária de sempre.

No terreno as diversas organizações de assistência queixavam-se das dificuldades e constrangimentos ao seu trabalho. Vias intransitáveis impedem o transporte da ajuda e não existem veículos e combustível para atender às necessidades.

Ontem discutia-se se as tropas americanas enviadas para o Haiti ficarão apenas dedicadas às missões de busca e salvamento e à operação humanitária ou se poderão também assumir o papel de força de segurança: à medida que o tempo passa, aumentam os saques em casas ao abandono, supermercados e lojas e veículos abandonados nas estradas. "Os polícias andam ocupados nas operações de salvamento. Muitos podem estar presos nas ruínas, como toda a gente", notava Manuel Deheusch, dono de uma fábrica.

O Haiti não dispõe de um exército próprio, apenas um corpo de polícia em formação. São os cerca de 7000 capacetes azuis da ONU que, desde 2004, garantem a segurança do país que tem sido frequentemente assolado por ondas de violência e instabilidade política. Mas, segundo as agências, apenas cerca de 3000 soldados internacionais estavam em condições de cumprir a sua missão. O Governo também desapareceu com o terramoto, e, depois de breves aparições, o Presidente René Préval tem-se mantido incontactável.Caos sim, violência não

Apesar do caos, a violência não rebentou na cidade, como se temia. Na verdade, a população tem demonstrado uma profunda solidariedade na sua tragédia: aqueles que escaparam sem ferimentos têm trabalhado incessantemente para encontrar quem ainda possa estar debaixo dos escombros e para transportar os que se encontram feridos. As pessoas partilham a pouca água e comida disponível e dormem lado a lado, em imensos "campos de refugiados" improvisados nas principais ruas e praças da cidade. Muitos dos desalojados começaram a deslocar-se para o interior do país, que resistiu ao terramoto, e em força para a fronteira com a República Dominicana, que foi fechada.

A angústia e o desespero de quem espera por ajuda começavam a agudizar-se. No danificado Hopital de la Paix, um homem encontrou as suas duas filhas pequenas. Uma morta, coberta por um lençol. Do lado a irmã, com as duas pernas partidas e um golpe profundo na cabeça. Estão todos no chão, vivos, mortos, e ninguém sabe dizer quando poderão ser ajudados. Alguns voluntários perguntam aos médicos o que podem fazer para ajudar - não há gaze nem desinfectante que chegue para todos, mas mesmo assim procuram limpar os golpes e hidratar os feridos. Não há antibióticos nem sequer aspirinas suficientes para mitigar o sofrimento das centenas de pessoas que buscam tratamento.

Ao hospital principal, e a muitas igrejas que passaram a funcionar como morgues, começaram a chegar centenas de cadáveres. O director do hospital, Guy Laroche, disse à Reuters que mais de 1500 corpos já tinham sido identificados. Um representante da Cruz Vermelha do Haiti estimou ontem que o número de vítimas mortais fosse de 45 mil a 50 mil pessoas. Responsáveis governamentais avançam números bem mais dramáticos, admitindo que o número de mortos possa ultrapassar os cem mil.

A Cruz Vermelha e o US Geological Survey calculam que três milhões de habitantes tenham sido directamente afectados pelo terramoto e precisem de ajuda de emergência. Essa é sensivelmente a população da capital Port au Prince e localidades vizinhas - um terço do total de nove milhões que compõem a população do Haiti.

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