Torne-se perito

Sismo pouco profundo explica destruição localizada

A crosta da Terra começou a romper-se a apenas dez quilómetros de profundidade (onde foi originado o abalo) e a pouca distância da capital do Haiti

Oito minutos após o início da ruptura da crosta terrestre no Haiti começaram a chegar ao outro lado do Atlântico os primeiros sinais de um sismo naquela ilha das Caraíbas, com as estações sísmicas dos Açores a registarem um evento de magnitude sete na escala de Richter. Cerca de dez minutos depois, o abalo era captado em várias estações em Portugal continental. Eram os vislumbres iniciais do que veio a revelar-se uma catástrofe em Port au Prince, a capital do Haiti.

A crosta rompia-se anteontem às 16h53 locais (21h53 em Portugal) num sistema de falhas que atravessa horizontalmente o Sul da ilha Hispaniola (dividida pelos estados do Haiti, na parte oeste, e da República Dominicana, na parte leste).

Foi, portanto, nesse importante sistema de falhas, chamado Enriquillo-Plaintain Garden - e que é parecido com o da famosa falha de Santo André, na Califórnia, Estados Unidos -, que se produziu o sismo: um dos blocos (ou bordos) do sistema de falhas deslocou-se lateralmente em relação ao outro e o sismo era então desencadeado. Tratou-se daquilo a que os cientistas chamam uma ruptura de desligamento e, neste caso, teve o seu ponto de origem em terra e não no mar.

"O sismo foi o movimento de uma parte da falha em relação à outra", explica o sismólogo Bento Caldeira, do Centro de Geofísica de Évora.

Em Março de 2008, uma equipa de cinco cientistas alertava, durante a 18ª Conferência Geológica das Caraíbas, na República Dominicana, para o grande risco sísmico que o sistema de falhas Enriquillo-Plaintain Garden colocava, relembra agora a cadeia televisiva CNN.

Essa equipa, de que fazia parte Paul Mann, do Instituto de Geofísica da Universidade do Texas, dizia que aquele sistema de falhas tinha potencialidade para originar um sismo de magnitude 7,2 na escala de Richter. Se tal sismo iria realmente acontecer é algo que, no entanto, os cientistas não conseguem hoje prever. Muito menos conseguem dizer quando.

Segundo os Serviços Geológicos dos Estados Unidos, este sistema de falhas pode já ter estado na origem de vários sismos grandes no passado, acrescentando que o terramoto de anteontem foi o mais violento no Haiti no último século.

A ilha Hispaniola é ainda atravessada horizontalmente por outro sistema de falhas a norte, chamado precisamente Setentrional. Além disto, a ilha localiza-se na interacção entre a placa tectónica das Caraíbas e a placa Norte-Americana.

"É uma zona de elevada sismicidade e também de risco sísmico considerado elevado", refere o geofísico Fernando Carrilho, director do Departamento de Sismologia do Instituto de Meteorologia.

Os que escaparam

Mas enquanto a destruição atingiu o Haiti, em particular a sua capital, a parte Leste da ilha Hispaniola não sofreu grandes danos. Como se explica então que a República Dominicana e as ilhas vizinhas tenham passado praticamente incólumes à tragédia?

O geofísico Fernando Carrilho aponta uma explicação: apesar da magnitude elevada, foi um sismo superficial (a ruptura começou a cerca de dez quilómetros de profundidade), pelo que as ondas sísmicas depressa se amorteceram. "Teve efeitos importantes localizados na zona de ruptura, onde foi o epicentro. Mas como foi um sismo relativamente superficial, os efeitos atenuaram-se mais rapidamente com a distância."

Bento Caldeira também refere o facto de a ruptura da crosta ter começado a apenas 15 quilómetros de Port au Prince. "A capital, onde foram os maiores danos, está praticamente em cima da ruptura e foi sujeita a movimentos intensos", explica o sismólogo. "Esses movimentos vão sendo fortemente atenuados com a distância, à medida que nos afastamos da zona de ruptura."

Embora tudo tenha começado em terra, ainda chegou a ser lançado um alerta de um tsunami na zona, que veio depois a ser cancelado. "Como o sismo foi muito próximo da costa, a deformação [da crosta] pode ter-se propagado ao fundo do mar", diz Fernando Carrilho. "Ainda foram registadas oscilações do nível do mar numa estação maregráfica na República Dominicana e numa estação de observação no mar. Foram amplitudes muito baixas, na ordem de um centímetro na estação de observação no mar e de 12 centímetros na estação maregráfica. Houve um tsunami a nível instrumental, mas não foi nada significativo."

A onda gigante não veio, mas o abanão em terra foi implacável.

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