Este Mundial não é para qualquer matreco

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LUÍS BRANCO/arquivo

A selecção nacional participa com o entusiasmo típico de um estreante no Mundial de Matraquilhos, mesmo partindo com uma grande desvantagem: por cá mandam os bonecos de chumbo, lá fora dominam os de plástico

Ter "pés de chumbo" nunca deu jeito a nenhum futebolista. Em matraquilhos, contrariamente ao que se julga, também pode ser limitativo. Esse é pelo menos o grande handicap da selecção portuguesa que a partir de hoje participa no Campeonato do Mundo da modalidade, em Nantes (França) - sim, há um Mundial de matraquilhos, e desde os anos 70.

As mesas comuns em Portugal têm características distintas das cinco homologadas pela Federação Internacional de Matraquilhos e os jogadores nacionais tiveram um período de treino nestas não superior a três meses. A grande diferença está mesmo nos bonecos. Nas cinco mesas oficiais (Bonzini, Garlando, Roberto Sport, Tecball e Tornado) são de plástico, na tradicional portuguesa são de chumbo.

"É como se um jogador que jogou futebol num campo relvado a vida inteira tiver, de repente, de jogar num rinque de futebol de salão. Não tem nada a ver", exemplifica André Mendes, bicampeão nacional individual de "matrecos". Mas há mais: mesa de uma combinação de madeira e ferro, varões mais leves e bola de uma mistura de plástico e borracha nas competições internacionais (e um preço que pode ir até 1500 euros); mesa de madeira, varão de aço e bola de plástico nas mesas nacionais, que custam em média entre 400 e 500 euros.

"Temos expectativas moderadas", admite Ricardo Vieira, vice-presidente da Federação Portuguesa de Matraquilhos, também por causa do grande pormenor da "adaptação às mesas". "Vou para me divertir e aprender", completa André Mendes. Ainda assim, a selecção nacional, a primeira presente num Mundial - já houve, através de emigrantes, participações individuais residuais -, é composta por 19 jogadores, que esperam contribuir para que a nação melhore o actual 28.º lugar no ranking mundial.

Mais de 30 países estão representados em Nantes, um número que confirma a tendência de os matrecos deixarem de estar circunscritos aos cafés, clubes ou salas de máquinas para passarem a ser uma actividade organizada, com competição.

A propósito, o que é que não veremos neste Mundial: alguém fazer a piada de simular partir um ovo e abri-lo antes de lançar a bola pelo meio-campo (a bola é normalmente reposta numa das áreas), copos de cerveja atrás das balizas ou telemóveis a tocar (é proibido ingerir bebidas alcoólicas, mesmo nas pausas dos jogos, ou falar ao telefone), um raide à garagem para encontrar óleo para os varões, ou o tradicional pousar da moeda, de forma viril se for bem feito, em cima da mesa para marcar vez. De resto, a moeda serve essencialmente para lançar ao ar para a escolha de campo (lado da tabela) ou bola - o que evita igualmente a alguém o embaraço de meter várias moedas na ranhura até atingir 50 cêntimos.

Fazer uma roleta, confirmam as regras, é proibido (mas pode usar-se a cabeça, a do boneco, para jogar a bola e fazer fintas) e arrastar a mesa também, enquanto as bolas que entram e voltam a sair da baliza não são considerados golos, continuando o jogo como se nada se tivesse passado. Há penáltis e livres para sancionar infracções e o árbitro também pode mostrar cartões aos jogadores (aos de carne e osso), que devem igualmente mostrar moderação na comemoração dos golos e na linguagem.

Falta de patrocínios

Em Portugal, onde já há campeonato, Taça, Supertaça e várias outras provas, a Federação Portuguesa de Matraquilhos, fundada em 2007, contabiliza 600 atletas federados e 120 clubes e estima existirem cerca de 3000 praticantes recorrentes. Mas estamos ainda muito longe de poder haver alguém a viver dos matrecos. "Acredito que dentro de alguns anos possa haver condições para isso acontecer", considera André Mendes, vencedor das duas edições do campeonato nacional já realizadas (2008 e 2009) e o mais cotado dos 19 "soldadinhos de plástico" portugueses. "Para já, há falta de patrocínios."

São poucos, mas há alguns exemplos, no estrangeiro, de jogadores que podem ser profissionais, especialmente se apostarem no circuito norte-americano, no qual a modalidade é conhecida como foosball por causa do termo alemão para futebol (Fußball). É o caso do "Maradona dos matraquilhos", o belga Frédéric Collignon, multicampeão mundial, o homem que quebrou a hegemonia dos jogadores dos Estados Unidos.

Tal como Collignon, André Mendes iniciou-se "aos cinco ou seis anos", quando ainda precisava de se pôr em cima de uma grade de cerveja para ver o campo. E já teve a sua dose de lesões típicas. Se no futebol há roturas de ligamentos dos joelhos ou contusões, nos matrecos há tendinites nas mãos e dedos ou entorses nos pulsows. Ou dores na coluna, imagina-se. A preparação física, aliás, "é importante", porque "alguns jogos podem demorar uma hora e obrigam a um esforço muito desgastante", diz o jogador, de 25 anos, que não tem uma mesa de matrecos em casa por falta de espaço e tem de fazer vários quilómetros para treinar.

Facto desconhecido: Portugal tem um seleccionador nacional de matraquilhos (Vítor Fonseca), o que, à primeira vista, numa actividade com o vigor táctico de uma estátua (há o 2x5x3 - dois defesas, cinco médios e três atacantes - e mais nenhum) parece desnecessário. Mas não é, até porque a táctica abunda naquela mesa de oito varões e 22 bonecos.

"É um jogo muito minucioso, que vai muito ao detalhe. Eu mudo a maneira de jogar consoante o adversário. Quem optar apenas pela força não tem qualquer hipótese contra adversários experientes", explica o campeão português, que precisa apenas de um passo, por oposição às dezenas de metros corridos por um futebolista, para ser um autêntico box to box (área a área).

O jogador do Fonte Luminosa (Charneca da Caparica) brilha na competição individual sénior masculina (maiores de 18 anos). Mas no Mundial também há espaço para os juniores (-18), para os veteranos (+51) e para as mulheres, porque os matraquilhos, já se sabe, são um divertimento para todos em que, realmente, só é preciso chutar com o pé que está mais à mão.

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