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As surpresas na visita do Papa Bento XVI a Portugal

Encontro com o mundo da cultura e as instituições sociais são iniciativas menos habituais nas viagens dos Papas. Portugal pode ser excepção

Ameaçava tornar-se uma visita estritamente religiosa, centrada em Fátima, mas saíram duas surpresas do programa: entre 11 e 14 de Maio, o Papa Bento XVI irá encontrar-se com o mundo da cultura e também com responsáveis de instituições sociais católicas.

Em Lisboa e no Porto, as duas missas que o Papa celebra não deixarão de ter também uma dimensão mais exterior à Igreja. O coordenador da visita, do lado da Igreja, o bispo auxiliar de Lisboa, D. Carlos Azevedo, prevê que, na capital, a mensagem de Bento XVI se centre no tema da santidade e da missão pessoal na evangelização.

No Porto, o bispo D. Manuel Clemente já disse que se deverá centrar na dimensão "missionária e evangelizadora" da Igreja, como "oferta à sociedade e à cultura". A diocese do Porto está envolvida na Missão 2010, que pretende promover uma série de iniciativas de carácter social e cultural.

Para o interior da comunidade católica, mesmo que incluam reflexões de carácter social, ficarão as celebrações de Fátima, bem como os encontros com os bispos e com o clero.

O encontro com os agentes da cultura surge como natural num Papa que, a 21 de Novembro, esteve no Vaticano com 260 artistas. E que já há dois anos, em França, protagonizou uma iniciativa semelhante. Ou seja, reflecte a "sensibilidade" de Bento XVI, refere Carlos Azevedo.

Também do lado da Igreja em Portugal, é conhecida a preocupação de dois destacados bispos com as questões culturais: o cardeal patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, insiste na necessidade de a Igreja dialogar com a cultura; e o bispo do Porto, D. Manuel Clemente, foi escolhido como Prémio Pessoa 2009, no início de Dezembro, sendo conhecida a sua produção cultural e historiográfica.

A coordenar o encontro do CCB estará o padre José Tolentino Mendonça, secretário da Comissão Episcopal para a Cultura. Enquanto poeta, esteve em Roma no encontro de Bento XVI com os artistas, em Novembro.

Conhecido o peso das instituições sociais católicas em Portugal no apoio aos mais pobres e desfavorecidos, o encontro em Fátima, na tarde de dia 13, após o encerramento das cerimónias da peregrinação, surge como natural - apesar de não ser regra em viagens do Papa.

As celebrações de multidão, além de Fátima, decorrem em Lisboa, na tarde do dia 11, e no Porto, antes do regresso a Roma. Aqui, é provável que o Papa se refira a questões mais políticas e sociais (a família pode bem ser um dos temas). O que também pode acontecer no discurso de saudação, no aeroporto.

Um encontro em faltaA Praça do Comércio não iguala o cenário deslumbrante da missa de João Paulo II em Lisboa, na sua primeira visita a Portugal, em 1982. Nessa altura, o Papa polaco presidiu à eucaristia no alto do Parque Eduardo VII. À sua frente, uma multidão de jovens cheios de lenços coloridos, a Avenida da Liberdade e o Tejo. Desta vez, em Lisboa, o cenário para a missa é a praça-emblema da cidade pombalina, ao lado do rio e com o Cristo-Rei na Margem Sul.

Fátima, por fim. Não se pode ignorar que, enquanto cardeal Joseph Ratzinger, o actual Papa Bento XVI foi quem colocou o fenómeno e a questão do "segredo" no sítio. O documento, assinado em Junho de 2000, colocava o tema no seu secundaríssimo lugar teológico e concluía que quem esperasse eventuais e impressionantes revelações apocalípticas, sobre o fim do mundo ou sobre a história humana, deveria desiludir-se.

Desta vez, é de esperar que Bento XVI não deixe de referir, no santuário, a especificidade da devoção católica à figura da mãe de Jesus. Um tema que, para muitos teólogos, continua cheio de ambiguidades, entre as exigências de purificação e as cedências à religiosidade popular.

Fica a faltar um encontro com líderes de outras confissões cristãs e de outras religiões. "Não sei se chegou a ser pensado", diz Carlos Azevedo, responsável da preparação quando o programa já estava praticamente acertado com o Vaticano. A convivência pacífica entre diferentes credos e a boa integração de comunidades como a muçulmana tem sido apontada como exemplar por diferentes responsáveis religiosos. Um encontro do Papa com esses líderes seria uma forma de destacar essa forma de convivência pacífica para o exterior. Para remediar, os encontros com a cultura e as instituições de solidariedade serão abertos a outras sensibilidades, diz o bispo.

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