A pedra que confirmou a luz de Hanukkah

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Cada família acende uma das oito velas do DANIEL ROCHA

Por causa da importância do azeite na origem desta festa, as tradições gastronómicas da celebração judaica de Hanukkah (que amanhã termina) são à base de fritos em azeite. Tudo começou quando um rei selêucida profanou o templo de Jerusalém com uma estátua de Zeus e porcos sacrificados. Uma pedra que estava partida em três pedaços veio agora confirmar um dos episódios na origem da história

Uma descoberta arqueológica em Israel confirma o que pode ser uma das causas históricas da Festa das Luzes, ou Hanukkah, que amanhã termina em todo o mundo judaico. Três fragmentos de pedra achados em alturas diferentes fazem, afinal, parte da mesma tábua. Juntos, contêm um decreto real com a nomeação de um cobrador de impostos, um dos factos que terão estado na origem da revolta dos Macabeus, século e meio antes de Cristo.

Foi após essa revolta que os judeus passaram a celebrar também a purificação do Templo de Jerusalém. O decreto do rei Seleuco IV, do Império Selêucida da Síria, traduzia uma alteração profunda nas relações entre o ocupante e os judeus. De acordo com o Jerusalem Post, que divulgou a descoberta na semana passada, o decreto era dirigido ao ministro-chefe, Heliodorus, e a dois outros responsáveis da corte selêucida, Dorymenes e Diófanes.

A nomeação do cobrador de impostos para as províncias de Israel incluía uma ordem para recolher dinheiro do Templo, de acordo com a notícia, citada pelo jornal electrónico Página Um, da Rádio Renascença. Este episódio seria o primeiro de uma série a criar um grande mal-estar entre a potência ocupante e os judeus.

Pouco mais tarde, o irmão e sucessor de Seleuco, Antíoco Epífanes, decide levar até ao fim a helenização iniciada pelo seu antecessor. Em 168 a.E.C. (antes da Era Comum), Antíoco ataca e pilha Jerusalém. Três anos depois, proíbe a celebração do Shabat, a leitura da Bíblia e a circuncisão.

A destruição da cidade santa inclui também a profanação do Templo. O relato desses conflitos está registado nos dois livros bíblicos de Macabeus. No primeiro, conta-se: "Entrando com arrogância no Santuário, [o rei] apoderou-se do altar de ouro, do candelabro com todos os seus acessórios, (...) da decoração de ouro sobre a fachada do Templo: tudo ele despojou. (...) Carregando tudo isso, partiu para o seu país, depois de ter derramado muito sangue e proferido palavras de extrema arrogância. Por isso levantou-se grande lamentação sobre Israel em todas as localidades do país."

O rei decide ainda, posteriormente, mandar colocar uma estátua de Zeus sobre o altar dos holocaustos do Templo. Ao mesmo tempo, ordena a realização de sacrifícios com porcos. Ultrajes para os judeus. "Abominação da desolação", chama-lhe o autor do livro de Macabeus.

Estes episódios levam Matatias e os seus três filhos (Judas Macabeu, Jónatas e Simão) a liderar uma guerra de guerrilha contra o ocupante selêucida. Num dos episódios da perseguição, duas mulheres são apanhadas a fazer a circuncisão e, por causa disso, atiradas pela muralha de Jerusalém.

Após seis anos de batalhas sucessivas, Judas Macabeu consegue, no ano 160, a liberdade religiosa para os judeus, aos quais é permitido manter as suas tradições. É nessa altura que o Templo é de novo purificado. Conta-se que alguém encontrou um pote com azeite suficiente para acender a chama sagrada do Templo durante um dia. O azeite durou oito dias.

É este episódio que está na origem do mais importante gesto simbólico da festa. Que é repetido ainda hoje pelos cerca de 16 milhões de judeus em todo o mundo: diariamente, desde que se inicia a festa de Hanukkah (ou Chanuka) - este ano, foi ao final do dia 11 de Dezembro, faz hoje uma semana -, cada família acende uma das oito velas do hanukkiah, o candelabro próprio desta festa.

Tradições gastronómicas

O castiçal utilizado nesta festa tem nove braços - oito para cada um dos dias e o nono para a vela utilizada para acender as restantes.

Por causa da importância do azeite nesta história, assim se criaram as tradições gastronómicas da festa - que, tal como o Natal na tradição cristã, é vivida sobretudo em família. Os judeus comem os sufganiot, espécie de bolas de Berlim com farinha, açúcar e canela, recheadas de doce (morango ou cereja, por exemplo). Fritos com azeite, os sufganiot vêm sobretudo da tradição sefardita. Também as latkes, rodelas de batata originárias sobretudo dos judeus asquenazes da Europa Central, são fritas em azeite.

Talvez por causa do Natal, há famílias judaicas que começaram a oferecer presentes às crianças. No calendário judaico, lunar, a festa de Hanukkah coincide quase sempre com o tempo do Natal cristão.

O momento central de Hanukkah é o acender das velas. Logo depois, a família reza a bênção de Hanukkah: "Ó Eterno, nosso Deus: acendemos estas velas por causa dos milagres, redenções, grandes feitos, salvações, maravilhas e consolações que fizeste para com os nossos antepassados."

Ainda em conjunto, a família judaica canta e recita o salmo 30. É um poema de acção de graças, referido em várias traduções da Bíblia como um cântico para a dedicação da casa. "Ao cair da noite, vem o pranto; e, ao amanhecer, volta a alegria. Senhor, foste bom para mim e deste-me segurança; mas, se escondes a tua face, logo fico perturbado."

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