Um vagabundo chamado Matias Aguayo

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A infância foi passada entre Lima, no Peru, e Karlsruhe, na Alemanha. Iniciou-se como DJ em cidades como Dusseldorf e Colónia, entrando no circuito electrónico germânico pela mão de Michael Mayer da editora Kompakt

Chileno, cresceu na Alemanha, vive entre Paris e Buenos Aires e acabou de lançar "Ay Ay Ay", excelenteálbum de canções mundanas. Matias Aguayo é um nómada dos dias de hoje. Vítor Belanciano

Não é daquelas evidências que nos entra pelos olhos dentro, mas está lá, inscrita naquilo que Matias Aguayo é. Na sua música. Na sua personalidade. Na forma como olha para o mundo.

É um vagabundo. Personagem em trânsito. Nasceu no Chile, país que abandonou cedo, com os pais, por razões políticas. A infância foi passada entre Lima, no Peru, e Karlsruhe, na Alemanha. Iniciou-se como DJ em cidades como Dusseldorf e Colónia, entrando no circuito electrónico germânico pela mão de Michael Mayer da editora Kompakt.

Actualmente vive entre Paris e Buenos Aires. Hoje em dia passa até mais tempo na capital da Argentina porque, dizia num entrevista recente, "existe hoje mais imaginação, mais inspiração, mais desejo de aventura na América Latina, do que na Europa." Isto aos dias de semana, porque aos fins de semana qualquer outra grande cidade do globo pode ser o seu destino de trabalho - ainda em Setembro actuou no Lux, em Lisboa.

É DJ, produtor, "performer", cantor. Nas sessões como DJ canta, murmura, respira e suspira. A sua voz mistura-se com subtileza e sensualidade nos sons minimalistas. Tem uma etiqueta própria, a Coméme, mas continua a pertencer aos quadros da influente editora alemã Kompakt e, portanto, é conotado com linguagens como o tecno e o house. Mas atenção: possui o tipo de características que normalmente levam aqueles que não gostam de música de dança electrónica a abraçar sons de dança.

Viajar

É natural. A sua música não é evidente. Canções construídas a partir de cantilenas estruturadas em camadas, ritmos entorpecidos e percussivos, e ambientes psicadélicos. Há alusões a África, América Latina e Europa, mas nunca de forma declarada. Há elementos de várias músicas, pop, tecno, dub, folk, mas são indissociáveis do mesmo corpo sonoro, de tal forma que o seu segundo álbum solitário, "Ay Ay Ay", é um bloco coeso de canções como já é raro ouvir-se hoje em dia.

Aos 35 anos, depois de várias colaborações, com Michael Mayer, Marcus Rossknech e Dirk Leyers, nos Closer Musik, e de um primeiro álbum a solo mediano ("Are You Really Lost", de 2005), parece ter encontrado definitivamente o seu caminho. Há algures na sua música uma precisão - proveniente da ciência tecno alemã com a qual conviveu desde cedo - que se conjuga na perfeição com a sujidade e desordem da rua, patente nas invulgares aplicações vocais e nos muitos ruídos exóticos.

Não é um álbum vulgar na produção pop electrónica actual, até na forma como se apropria de emblemas da cultura de massas, como a canção "From Russia with love", de John Barry, pertencente ao filme de O07 do mesmo nome. Aqui surge, apenas, como "Desde Rusia" e só ouvidos mais atentos descobrirão as semelhanças com o original. Todo o disco é feito deste tipo de subtilezas, parecendo várias coisas (TV On The Radio em versão dub, Ricardo Villalobos se fizesse canções pop, Micachu sem fosse tecno), sem ser nenhuma em particular.

De onde surge a inspiração? De viajar, claro. "Sinto que realmente sou um privilegiado. Durante algum tempo vivi essas constantes mudanças como conflito, mas passados estes anos percebo que é um privilégio poder conhecer o mundo através da minha actividade. É desse contacto com diferentes pessoas, com muitas cidades, que a minha música surge. Estou sempre à procura de experiências musicais quando viajo. Alimento-me disso. Na América Latina, em particular neste momento, sinto que existe uma riqueza enorme de sons e de formas de operar que permitem outro tipo de procura e de experimentações."

A sua música surge da combinação de diferentes vozes e sons, algo que é expresso de forma, simultaneamente, abstracta e orgânica. "Não me interessa criar música que soe acústica ou simplesmente digital, mas algo na fronteira, um híbrido compactado, que seja capaz de gerar um resultado novo."

Apesar de parecer um processo auto-consciente, Aguayo nega-o. Aquilo que lhe interessa é a dimensão física do som, o suor, a sensualidade, mesmo quando está escondido por várias roupagens. "Na música que escuto existe essa dimensão, mas não de forma explícita, não enquanto pose, seja na música ska, nos Talking Heads, no house de Chicago, no rock & roll de Bo Diddley, nos B-52"s ou na música kwaito da África do Sul."

Ao contrário de muitos outros produtores da música electrónica actual, não se deixa maravilhar pelas ferramentas tecnológicas ao seu dispor. Utiliza-as, claro. Mas tenta sempre fazê-lo da forma menos óbvia. "Quando leio os procedimentos técnicos é, precisamente, para tentar procurar ir por outro lado."

Há hoje novos e maravilhosos recursos tecnológicos para fazer música, mas ele não quer ser apenas mais uma cobaia para testar programas de edição musical. Criar, é outra coisa, diz. "A liberdade e as possibilidades que os empresários de software prometem não estão nos programas em si, mas na fantasia de quem faz a música." Ouvindo "Ay Ay Ay" ninguém dúvida.

Ver crítica de discos págs. 44 e segs.

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