Morreu a "miúda de Milão"

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Alda Merini

Alda Merini, uma das vozes mais importantes da poesia italiana do século XX, morreu ontem em Milão, aos 78 anos, de cancro ósseo. Nascida em 1931, começou a publicar poemas aos 17 anos, pela mesma altura em que revelava os primeiros sinais de esquizofrenia.

Quando se estreou em livro, em 1953, com La Presenza di Orfeo, já figurava em várias antologias e fora aplaudida por poetas como Salvatore Quasimodo ou Pier Paolo Pasolini, que lhe chamava "a miúda de Milão". Esta "presença de Orfeu", que a aproxima de outros poetas órficos, como Rainer Maria Rilke ou Dino Campana, persiste noutros livros que publicou nos anos 50, como Paura di Dio e Nozze Romane. A primeira fase da sua obra encerra-se em 1962 com Tu Sei Pietro, dedicado ao pediatra da sua filha. Seguem-se quase 20 anos de silêncio literário, durante os quais Merini está sempre a entrar e a sair de internamentos psiquiátricos.

Regressa à poesia no início dos anos 80 e publica, em 1984, A Terra Santa, centrado na relação entre a poesia e a doença. O livro foi publicado em Portugal pela Cotovia. É o seu único título disponível em português, mas o número 17 da revista Relâmpago, de 2005, inclui alguns poemas seus traduzidos por Marco Bruno.

Apesar das muitas diferenças entre as duas fases da obra de Merini - com o tom mais negro da segunda a contrastar com o fôlego lírico da primeira -, há entre ambas muitas continuidades, desde a aspiração mística ao impulso autobiográfico, quase diarístico, que sempre marcou a sua escrita.

Nos anos 90, volta-se para o poema em prosa e para o aforismo. Num livro justamente intitulado Aforismos (1992), escreve: "A psicanálise/ procura sempre o ovo/ num cesto/ que se perdeu." Em Aforismos e Magias ( 1999), vários textos reflectem as suas principais obsessões: a relação com o divino - "Se Deus me absolve,/ fá-lo sempre/ por falta/ de provas" - e a instatisfação amorosa.

Célebre pelas suas muitas, e quase sempre complicadas, relações sentimentais, Merini pediu, como presente do seu 73º aniversário, "um homem sensual", tendo recebido, e apreciado (segundo a própria), a visita de um stripper famoso. Poucos anos antes escrevera: "Sou completamente/ assexuada,/ descontados erros/ e omissões." Luís Miguel Queirós

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