"Não estávamos a contar com esta distinção, nem tínhamos concorrido ao prémio"

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O engenheiro está há vinte anos numa cadeira de rodas adriano miranda

Tem a convicção de que em Portugal há grandes engenheiros e pouco quem os reconheça. O prémio internacional Ostra distinguiu a estrutura "inovadora, criativa e notável" que Mota Freitas criou para Fátima. Em Portugal, o Prémio Secil já o tinha feito em 2007

a Quando Alexandros Tombazis ganhou o concurso para a construção da Igreja da Santíssima Trindade, em Fátima, percebeu cedo que iria precisar de quem o representasse em Portugal e acompanhasse a obra. O arquitecto grego escolheu a dupla Joana Delgado e Paula Santos. Por acaso, esta última arquitecta havia trabalhado no Pavilhão do Futuro, construído para a Expo-98, com José da Mota Freitas, engenheiro que se especializou em construções metálicas. E, por acaso, o engenheiro Mota Freitas já era bem conhecido pela reitoria do santuário, dado que, à excepção da Basílica, projectou todas as estruturas que lá foram construídas nas ultimas décadas. Também por acaso, a característica mais marcante do projecto de arquitectura de Tombazis, que são as duas grandes vigas que atravessam, e sustentam, o gigantesco corpo principal da igreja, estava prevista para ser em construção metálica, a especialidade de Mota Freitas. A opção de betão branco que lá se vê surgiu depois, e os acasos param aqui.Não houve acaso na decisão tomada pela International Association for Bridge and Structural Engineering (IABSE) de atribuir à equipa liderada por Mota Freitas o mais importante prémio internacional na engenharia de estruturas. Depois de Segadães Tavares ter conseguido, em 2004, o mesmo feito com prolongamento da pista do Aeroporto do Funchal, na Madeira, foi a engenharia portuguesa quem concebeu a estrutura mais "inovadora, criativa e notável". Esta é a definição do prémio Ostra-Outstanding Structure, entregue na semana passada em Banguecoque, na Tailândia, à equipa de Mota Freitas.
Este ano, o júri rendeu-se às características daquela estrutura, que permite albergar mais de nove mil pessoas sentadas, num espaço delimitado por uma parede cilíndrica de betão armado e que é atravessado, na zona central, por duas vigas que suportam a estrutura - concebidas de tal forma que o projectista garante a inexistência de fissuras, já que têm capacidade de se expandir e de se retrair, consoante a temperatura. As doze portas de entrada e a cobertura em shed do edifício, que dá conforto, iluminação natural e equilíbrio acústico aos visitantes, são apenas algumas das características mais marcantes - e que foram devidamente assinaladas, em termos domésticos, com o prémio Secil Engenharia Civil, em 2007.
O prémio Ostra foi recebido com assombro. "Não estávamos a contar com esta distinção, nem tínhamos concorrido ao prémio de raiz", disse o engenheiro galardoado, durante uma longa conversa que teve com o P2. Mota Freitas está sempre a sublinhar que o prémio não é dele, mas das mais de 20 pessoas que com ele colaboraram neste projecto. "Candidatámo-nos porque o arquitecto Alexandros Tombazis decidiu apresentar uma candidatura, e depois vieram pedir-nos que a fundamentássemos. No Secil sabíamos que estávamos bem posicionados - em Portugal há excelentes engenheiros, mas o nosso projecto tinha muita força. Em relação ao IABSE foi uma surpresa, porque tem muitos concorrentes a nível internacional, quatro mil representantes de mais de cem países."
Não se pense que há nas palavras de Mota Freitas modéstia. Há, isso sim, uma grande convicção de que em Portugal há grandes engenheiros - "ajudei a formar muitos" - e pouco quem os reconheça. O professor critica o facto de a engenharia não ter o reconhecimento público, apesar de existir "no dia-a-dia", em praticamente tudo. "As pessoas estão tão habituadas a tê-la, que a dão por adquirida. Não pensam que para o telemóvel novo fazer isto e aquilo, estiveram vários cérebros, anos e anos, a aperfeiçoar, a fazer e a acontecer."
Mota Freitas licenciou-se na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e foi nessa casa que deu aulas até ao ano passado. Não foram os 71 anos que completou em Abril que mais lhe pesaram na decisão de não ir à capital da Tailândia receber o prémio. Está há vinte anos numa cadeira de rodas: "Nas cerimónias públicas sou o único, para além do bispo, a poder estar sentado." Ficou paraplégico após uma operação à coluna.
Ser atirado para uma cadeira de rodas abalou-o - ele, que já havia sido atleta federado, trabalhador-estudante, orfeonista, e para quem as 24 horas do dia foram sempre demasiado curtas. Mas a morte de dois filhos e a doença com que se debate a mulher abalaram-no ainda mais. Não gosta de falar disso, mas sublinha que essas más notícias vieram sempre a seguir às boas... "Quando soube do prémio IABSE até fiquei com medo..." Teve ainda um outro desgosto. O de ter sido constituído arguido pelo procurador Pinto Hespanhol no julgamento da queda da Ponte de Hintze Ribeiro, em Entre-os-Rios. "Não tenho ainda a serenidade suficiente para me referir a isso. Mas pretendo esclarecer este assunto quando tiver mais paz de espírito."
Como consegue manter o bom humor, que tantas vezes transpareceu na conversa com o P2, mesmo quando ela era também atravessada por desabafos dolorosos? Primeiro, diz Mota Freitas, porque dar aulas é uma representação. E Mota Freitas tem mais de 40 anos de docência, tantos quantos os de experiência em projectos de engenharia. "Para se ser bom professor, é preciso ser-se um artista. Não basta saber a matéria, é preciso saber dominar a audiência, dizer uma graçola, estar atento a cansaços." Depois, admite que acima da representação que aprendeu no palco da academia, está a fé de um homem religioso, que lhe permite sempre acreditar que não ficará sozinho. "Sou devoto de Nossa Senhora [de Fátima], por isso, este prémio tem um sabor ainda mais especial", admite.
Mota Freitas está longe de pensar que este prémio Ostra é como que um culminar de uma carreira recheada de projectos. Tem pelo menos mais um mente: fazer uma ponte pedonal suspensa na Ponte D. Maria, no Porto.

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