Está na altura de pedir desculpas a Alan Turing

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Alan Turing

Um abaixo-assinado online quer convencer o Governo britânico a pedir perdão postumamente ao genial matemático britânico Alan Turing, pai dos computadores modernos

a Manchester, 7 de Junho de 1954. Alan Turing, 41 anos, suicida-se na sua residência engolindo cianeto. Reza a lenda que o seu gosto pelo conto da Branca de Neve o terá levado a encher de veneno uma maçã e a trincá-la para absorver o veneno.Dois anos antes, este genial matemático tinha sido condenado em tribunal por ter admitido ter relações homossexuais com um jovem que a seguir tinha vandalizado a sua casa. Agora, é o puro desespero que o leva a pôr fim à vida.
Na altura, tal como no tempo de Oscar Wilde, décadas antes, ser gay era ilegal no Reino Unido (sê-lo-ia até aos anos 60 do século passado) - e admitir tais comportamentos "desviantes" podia significar até dois anos de cadeia - como Wilde aliás descobriu por si.
No caso de Turing, porém, ele tinha permanecido em liberdade, mas com a condição de se submeter a um tratamento hormonal, à base de estrogénios, destinado a reduzir a sua libido e a minimizar o risco de futuros ataques à moral. Para além disso, tinha sido proibido de continuar a trabalhar para o governo do seu país, o que fazia há muitos anos.
Durante meses, Turing tinha sofrido as consequências físicas e psicológicas desta "castração química" - e a exposição pública que a sua sentença lhe tinha valido. A somar-se àquela humilhação, os seus seios tinham crescido, as suas formas tinham-se tornado mais femininas - algo insuportável para este homem de constituição atlética.
Cinquenta e cinco anos depois, John Graham-Cumming, informático britânico, decidiu lançar um abaixo-assinado para reabilitar a memória de Turing no site oficial do gabinete do primeiro-ministro, Gordon Brown, Number10.gov.uk (fisicamente situado no famoso nº 10 da Downing Street, em Londres). No momento em que escrevemos este texto, o número de signatários da petição, acessível em http://petitions.number10.gov.uk/turing/ (que devem obrigatoriamente ter a nacionalidade britânica ou ser residentes no país) tinha ultrapassado os 20 mil e incluía nomes sonantes como os do cientista Richard Dawkins e do escritor Ian McEwan.
"Alan Turing foi o maior informático alguma vez nascido no Reino Unido", explica o texto online. "Criou os alicerces da computação, ajudou a decifrar o código Enigma dos nazis e mostrou-nos como decidir se uma máquina é ou não capaz de pensar. Era também homossexual. Foi perseguido por ser gay, castraram-no quimicamente para o tentar 'curar' e suicidou-se aos 41 anos. O Governo britânico deveria pedir perdão a Alan Turing pela forma como foi tratado e reconhecer que o seu trabalho criou grande parte do mundo em que vivemos hoje e salvou-nos da Alemanha nazi. Um pedido de desculpas também permitiria reconhecer as consequências trágicas dos preconceitos que acabaram com a vida e a carreira deste homem."
O pai dos computadores
Quem era Alan Turing, esse homem de olhar doce que surge na fotografia? Era um dos grandes. Uma resposta simples e contundente consiste em citar a revista norte-americana Time, que em 1999, ao incluí-lo na sua lista das 100 pessoas mais importantes do século XX, escrevia nas suas páginas: "É um facto que todos os que batem num teclado para abrir uma folha de cálculo ou um programa de processamento de texto trabalham numa materialização de uma máquina de Turing."
Basicamente, num artigo publicado em 1936, Turing teorizava que uma máquina muito simples seria capaz de resolver qualquer problema matemático desde que ele pudesse ser representado sob a forma de um algoritmo (ou seja, de um cálculo automático). Nessa altura, não havia ainda computadores nenhuns e a máquina de Turing não passava de uma entidade abstracta, um thought experiment. Mas as consequências práticas dessa criação teórica estão hoje mais do que à vista.
Mais tarde, a seguir à Segunda Guerra Mundial, Turing viria também a trabalhar na concepção dos primeiros computadores reais, tornando-se ainda o autor, em 1950, do chamado "teste de Turing", destinado a responder à pergunta "pode uma máquina pensar?" - um trabalho pioneiro no domínio da inteligência artificial. O teste consiste em pôr a conversar duas entidades pensantes, e, se uma máquina se revelasse capaz de enganar um interlocutor humano, levando-o a acreditar que está a falar com outro ser humano, deveria para todos os efeitos ser considerada inteligente. Até hoje, todos os computadores (ou melhor, programas de computador) que fizeram o teste de Turing chumbaram.
No início da II Guerra, Turing assinou a proeza talvez mais espectacular da sua carreira. Construiu, num laboratório governamental secreto, em Bletchley Park, uma máquina electromecânica capaz de decifrar os complexíssimos códigos criptográficos criados por outras máquinas, chamadas Enigma, umas máquinas de escrever muito especiais que os nazis utilizavam para comunicar secretamente, em particular com os seus submarinos, e para transmitir os seus planos de ataque. Essas máquinas tinham três ou quatro pequenas rodas, ou rotores, que eram colocadas em determinadas posições (a chave secreta). Assim, cada letra de uma dada mensagem era substituída por outra segundo uma regra quase impossível de descobrir, dada a enormidade das combinações possíveis de posições dos rotores, da ordem dos triliões (à volta de 10 elevado à potência 20). No destino, o facto de conhecer a posição certa dos rotores (a chave) permitia recuperar a mensagem original. Incrivelmente, a máquina construída por Turing conseguia testar todas as posições possíveis dos rotores e excluir os códigos impossíveis, o que fazia com que apenas fosse preciso verificar um número muito limitado de possibilidades para encontrar a mensagem escondida.
"A contribuição de Turing para a derrota dos nazis foi provavelmente maior do que a de Eisenhower ou Churchill", diz Dawkins, citado pelo Independent. Graças a [ele e aos seus colegas] os generais Aliados (...) conheciam os pormenores dos planos alemães antes de os generais alemães terem tido tempo de os pôr em prática."
A genialidade de Turing nunca esteve em causa. Mas não lhe proporcionou um tratamento mais condescendente; terá sido mesmo uma das razões para a particular brutalidade da sentença. Na sociedade britânica de então, puritana e preconceituosa, era particularmente difícil aceitar que alguém que era tão claramente um génio fosse também homossexual.

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