Morreu M.S. Lourenço, o filósofo e poeta "notável" que Portugal não chegou a conhecer

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Foi um dos primeiros alunos de Filosofia em Portugal. Lega uma invulgar obra poética e ensaística

a Filósofo, poeta e tradutor, Manuel António dos Santos Lourenço (M.S. Lourenço) morreu anteontem, aos 73 anos, com um cancro. O funeral do antigo professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa é hoje no cemitério de Rio de Mouro e será antecedido por uma missa na igreja de S. Pedro de Sintra, a partir das 14h.Nascido a 13 de Maio de 1936, em Sintra, M.S. Lourenço foi um dos cinco alunos da primeira licenciatura em Filosofia, em 1958, tendo completado o curso, com a excepção do primeiro ano, na qualidade de aluno militar. Aos 25 anos foi chamado para combater na guerra colonial, nomeadamente em Luanda, Angola, onde, em Fevereiro de 1961, ataques dos movimentos independentistas a um quartel da PSP e à Emissora Nacional provocaram o eclodir da luta armada. Um ano antes de partir para a guerra, M.S. Lourenço estreou-se na poesia com a publicação de O Desequilibrista e, em 1962, foi editado O Doge (assinado com o pseudónimo Alexis Christian von Gribskoff), livros que, segundo Eduardo Pitta, poeta e crítico literário, se assumem como "fundamentais" na bibliografia do autor.
Foi sobretudo nas décadas de 60 e 70 que M.S. Lourenço publicou a sua obra poética (seis títulos), tendo regressado à poesia somente em 1991 com Nada Brahma. Para o próximo Outono está prevista a publicação da sua obra poético-literária na antologia O Caminho dos Pisões, pela Assírio & Alvim.
Talvez esta iniciativa contrarie o desconhecimento em torno da poesia de M.S. Lourenço, espera Eduardo Pitta, autor do verbete sobre o filósofo no Dicionário Cronológico de Autores Portugueses. "É um poeta notável e injustamente esquecido", diz Pitta.
Escreve Pitta em Dicionário... que o facto de o filósofo ter estado fora do país por longos períodos poderá explicar o "relativo apagamento da sua figura". Depois da Faculdade de Letras, o ensaísta prosseguiu os seus estudos em Oxford, onde chegou a ensinar literatura portuguesa e teoria da literatura. A partir de então escolheu diferentes residências académicas - Santa Barbara (Califórnia), Bloomington (Indiana) e Innsbruck (Áustria) - e, em 1980, concluiu o seu doutoramento com uma tese sobre Wittgenstein, de quem traduziu Tratado Lógico-Filosófico e Investigações Filosóficas.
No campo do ensaio filosófico, M.S. Lourenço deixa um importante legado, nas áreas da lógica e da filosofia da matemática, com um conjunto de títulos dos quais se destacam A Espontaneidade da Razão e Teoria Clássica da Dedução. Em 1991, as suas colaborações para a Colóquio/Letras e para O Independente foram coligidas no livro Os Degraus de Parnaso, distinguido com o Prémio D. Diniz, da Fundação Casa de Mateus.
M.S. Lourenço foi também tradutor de Wilde, Joyce (fez uma tradução parcial de Finnegans Wake), Beckett e Kurt Gödel. Pai da bailarina Catarina Lourenço e do helenista Frederico Lourenço, M.S. Lourenço explicou, numa entrevista a Miguel Tamen, publicada 2007, a sua demarcação da exposição pública, justificando a sua escolha por um caminho singular: "O meu gosto pela discussão pública é de facto inexistente. [...] Sou praticamente desconhecido do chamado público, quer do público em geral quer do mais restrito grupo do público profissional, à volta da filosofia." E, mais à frente, notava que o seu nome nem sequer constava da História da Filosofia em Portugal, de Pedro Calafate.

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