Torne-se perito

João Tiago Silveira

Ao convidar João Tiago Silveira para porta-voz do PS, José Sócrates terá querido refrescar a imagem do partido, escolhendo uma figura simpática, com boa imagem e dom da palavra, e que todos descrevem como "uma pessoa muito acessível". O seu ponto fraco seria o reduzido traquejo político. Mas Sérgio Sousa Pinto, que o trouxe para o PS em 1994, garante que "vamos ouvir falar muito dele no futuro". Por Luís Miguel Queirós (texto) e Rui Gaudêncio (foto)

a João Tiago Silveira, o homem em quem José Sócrates apostou para substituir Vitalino Canas como porta-voz do PS, quase só é conhecido, publicamente, pelo seu percurso governativo, primeiro como adjunto de António Vitorino e António Costa nos governos de Guterres e, agora, como secretário de Estado de Alberto Costa. A escolha de Sócrates foi lida como uma tentativa de encontrar alguém que, na sequência do trambolhão que o PS sofreu nas eleições europeias, pudesse refrescar a imagem do partido para o exterior. Aparentemente, trocou uma figura não especialmente simpática, e pouco vocacionada para a dimensão de marketing que a função também exige, mas com reconhecido traquejo político, por alguém mais jovem (Silveira tem 38 anos) e de perfil quase simetricamente inverso.
Sócrates terá tentado, aliás, não apresentar esta indigitação como uma substituição de Vitalino Canas, afirmando apenas que Silveira seria o porta-voz do PS para a campanha eleitoral que se avizinha, cuja coordenação política caberá a António Vitorino. No entanto, ninguém, nem o próprio nomeado, tem dúvidas de que o actual secretário de Estado da Justiça é, para todos os efeitos, o novo porta-voz do partido.
Um dirigente do PS com quem o P2 falou, e que admitiu conhecer apenas superficialmente João Tiago da Silveira, não escondeu a sua surpresa por a escolha ter recaído numa pessoa "sem grande currículo político e partidário", embora reconhecesse que Vitalino Canas "não tinha muita vocação" para o cargo.
Já o eurodeputado Sérgio Sousa Pinto, colega de Silveira na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e que foi o responsável pela sua adesão à Juventude Socialista (JS), em 1994, acha que tanto "o trajecto partidário" como a sua "inteligência e sensibilidade política" o recomendam para as funções que agora aceitou exercer. E profetiza que Silveira "virá a assumir outros cargos" e que "ouviremos falar muito dele no futuro". Sousa Pinto não tem dúvidas de que o amigo "é já uma estrela no PS" e que as funções de porta-voz apenas contribuirão para que esse estatuto se torne mais visível.
O próprio João Tiago Silveira, que afirmou ao P2 ter aceitado "sem hesitar" o convite que lhe foi endereçado pelo primeiro-ministro - porque "é nas alturas difíceis que devemos aceitar os desafios" -, não confirma essa imagem de alguém com um perfil mais técnico do que político. "Filiei-me na JS em 1994, pela mão de Sérgio Sousa Pinto, mas antes disso estive na campanha de Salgado Zenha à Presidência da República, e depois na de Mário Soares, na segunda volta, e participei em várias outras campanhas do PS, quando ainda não era militante", diz o novo porta-voz, recordando ainda que, enquanto membro da direcção da JS, foi co-responsável, com Sousa Pinto e Marcos Perestrello, por propostas como a da despenalização da intervenção voluntária da gravidez.
Tendo em conta que a campanha de Zenha decorreu no início de 1986, Silveira teria apenas 14 anos quando começou a interessar-se mais activamente pela política. Mas vem de uma casa onde a política, em sentido amplo, estaria bastante presente, já que o seu pai, Luís Lingnau da Silveira, actual presidente da Comissão Nacional de Protecção de Dados, ocupou vários cargos públicos após o 25 de Abril e foi presidente da secção portuguesa da Amnistia Internacional e vice-presidente do Conselho Português para os Refugiados.
O currículo de Luís da Silveira é conhecido, mas, na conversa com o P2, João Tiago da Silveira não mencionou o pai, como não mencionou nada que pudesse ser remotamente considerado da esfera da sua vida privada. Pela biografia que consta do portal do Governo, sabe-se apenas que nasceu a 4 de Fevereiro de 1971 e que é solteiro. Esta quase feroz reserva da intimidade é um traço que assessores e amigos confirmam.
Um dos raros episódios polémicos em que se viu recentemente envolvido liga-se, aliás, a esta sua visão um tanto radical do que considera ser do foro da vida privada. Quando os cartórios notariais facultaram aos jornalistas que investigavam o caso Freeport a relação das escrituras que envolviam o nome de José Sócrates, Silveira saiu em defesa do primeiro-ministro, argumentando que a divulgação desses documentos punha em causa direitos fundamentais, a intimidade da vida privada e a protecção de dados pessoais. Perspectiva que afirma manter, e que a bastonária da Ordem dos Notários então contestou, alegando que se tratava de dados disponíveis para consulta pública.
Próximo de Costa
Enquanto não ascendeu a secretário de Estado, Silveira acumulou as suas funções no Governo com a sua carreira académica, leccionando as disciplinas de Direito Administrativo e Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade Lisboa, onde concluiu o mestrado com uma tese sobre "Deferimento Tácito".
Director do gabinete de política legislativa e planeamento do Ministério da Justiça no tempo de António Costa - a sua proximidade do actual presidente da Câmara de Lisboa levou mesmo a que se especulasse que poderia vir a substituir Marcos Perestrello como número dois da autarquia -, Silveira ainda se manteve algum tempo nessas funções durante o consulado de Celeste Cardona, mas acabou por decidir sair quando a ministra abandonou a reforma do contencioso administrativo, que ajudara a preparar e que considerava fundamental. Nesse período que antecedeu a sua nomeação como secretário de Estado - convite que o levou a suspender o doutoramento -, acumulou as funções académicas com um cargo de consultor da sociedade de advogados Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados.
No ministério de Alberto Costa, tem sido o principal responsável pela reforma que visa simplificar os procedimentos administrativos. Está por trás de projectos como o Casa Pronta, o Empresa na Hora ou o Documento Único Automóvel.
O seu empenho na informatização de serviços públicos valeu-lhe, em 2008, um prémio da Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade de Informação, mas a ligação às novas tecnologias também já lhe trouxe dissabores, tendo sido acusado de beneficiar, enquanto governante, uma empresa de prestação de serviços informáticos, a Caixa Mágica, da qual tinha sido sócio. Silveira afirma que já não era há muito sócio da firma quando entrou para o Governo e garante que nunca celebrou com ela qualquer contrato enquanto secretário de Estado. "Tentou dar-se a entender que havia alguma situação menos clara, mas ficou demonstrado que o que estava em causa era um conjunto de informações falsas", diz o secretário de Estado.
Tido como muito próximo de Sócrates - e o convite que agora recebeu parece confirmá-lo -, João Tiago Silveira parece situar-se, ao nível das convicções, um pouco à esquerda do primeiro-ministro, o que também se pode revelar útil num partido que tem de recuperar rapidamente o eleitorado perdido para o BE e o PCP. Se o seu baptismo político na campanha de Zenha já o situava à esquerda no PS da época, Sérgio Sousa Pinto lembra que Silveira integrou o secretariado nacional da JS quando ele próprio a dirigia e esta "era vista como a consciência crítica do partido" e apresentava "propostas muito ousadas de reforma da sociedade portuguesa". O eurodeputado diz que o novo porta-voz do PS "é uma pessoa de convicções", tem "experiência partidária e governativa", é "um excelente jurista", "tem um currículo notável na modernização da justiça" e é "um jovem dinâmico que poderá contribuir muito para a imagem que o PS quer passar". Faz uma pausa e acrescenta. "Só há mais uma coisa de importante a acrescentar sobre o João Tiago: 'É um homem muito simpático.'"

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