Obama presta homenagem aos homens normais que mudaram o curso da História

O Presidente norte-americano fechou na Normandia um périplo iniciado no Cairo, recordando o momento decisivo de "um combate entre duas visões da humanidade"

A Barack Obama não fez um discurso político. Concluiu, ontem, na Normandia, em frente à praia que se chamará sempre Omaha Beach, o percurso que o levou do Cairo às 9 mil cruzes brancas do cemitério de Colleville-sur-Mer, passando por Buchenwald. Preferiu falar dos momentos que definem uma era. "O que não podemos esquecer - o que não devemos esquecer - é que o Dia D foi um momento e um lugar onde a bravura e o altruísmo de uns poucos mudaram o curso de um século." Propôs uma reflexão sobre as razões pelas quais a batalha da Normandia é um acontecimento único. "O combate entre duas visões da humanidade" jogou-se "numa batalha por uma pequena faixa de areia".O Presidente americano juntou-
-se aos líderes da França, do Reino Unido e do Canadá para prestar homenagem aos 250 mil soldados mortos "no caminho para Berlim". Foi o quinto Presidente dos EUA a fazê-lo. Numa cerimónia que durou menos de duas horas e meia e que não teve a solenidade das dos anos pares. Celebraram-se ontem os 65 anos do desembarque que marcou o ponto de viragem da II Guerra Mundial. Nicolas Sarkozy quis aproveitar a oportunidade para celebrar a amizade entre a França e a América de Barack Obama.
O Presidente francês, o primeiro a discursar, preferiu falar da eterna dívida de gratidão da França para com os Estados Unidos. Gordon Brown, que vive a maior crise política da sua vida, falou da aliança transatlântica selada por milhares de vidas naquele mesmo local, "não para variar ao sabor das estações, mas para se prolongar por séculos". O cansaço e a tensão dos últimos dias justificam plenamente o único erro que cometeu durante o discurso. Confundiu Omaha Beach com Obama Beach. Mas, afinal, a cerimónia de ontem, apesar de protocolar, voltou a demonstrar o entusiasmo que o jovem Presidente americano desencadeia onde quer que vá.
Os heróis foram, no entanto, algumas centenas de veteranos vindos dos EUA, do Reino Unido e do Canadá. O príncipe Carlos salvou a honra ofendida do país que contribuiu com quase metade das tropas que desembarcaram na Normandia para iniciar o derradeiro e sangrento esforço de guerra contra o regime nazi. "Ela devia estar aqui", disse à BBC um veterano britânico exibindo um autocolante da sua Rainha na lapela. Foi para eles que os quatro líderes (também) falaram.
Nicolas Sarkozy homenageou-os lembrando como "a sorte de tantos esteve nas mãos da coragem de tão poucos". Na sua reflexão sobre o significado único do Dia D, Barack Obama lembrou como "numa hora de perigo extremo, no meio das circunstâncias mais terríveis, homens que se viam a si próprios como normais encontraram dentro de si a capacidade de fazer algo de extraordinário". Como o seu avô, que combateu no exército de Patton. Como o seu tio, presença discreta nas cerimónias, que ajudou a libertar um dos campos adjacentes ao campo de concertação de Buchenwald.
"Eu nunca tinha tido coragem suficiente para regressar aqui. Tinha medo de ficar demasiado emocionado. Mas tenho 84 anos e tenho medo de já não conseguir vir daqui a cinco anos", explicou o soldado americano George Charlsbois. "Levei 15 anos para conseguir ir ver O Dia Mais Longo, ainda não consegui ver O Soldado Ryan." O tio-avô de Obama confessou que a memória do horror que viu em Buchenwald só regressou quando recentemente teve de corrigir um engano do Presidente sobre o nome do campo de concentração que ajudou a libertar.
"Vivemos num mundo em que credos diferentes concorrem entre si e reclamam para si a verdade", disse Obama. "Num mundo assim, é raro que haja um combate que consiga transmitir algo de universal sobre a humanidade. A II Guerra Mundial consegue fazê-lo."
"Agenda sobrecarregada"
Depois de um encontro com o seu anfitrião, em Caen, de uma conferência de imprensa conjunta, de um almoço que incluiu as primeiras-damas e do cerimonial não demasiado longo do 65º aniversário do desembarque aliado nas costas da Normandia, o Presidente americano concluiu a sua visita oficial.
Teve de explicar aos jornalistas franceses que a brevidade da sua passagem por França se devia, apenas, a uma "agenda demasiado sobrecarregada". "Tenho em casa uma economia com 9,4 por cento de desempregados." "Os bons amigos não se devem preocupar com as convenções e os protocolos."
Foi, aliás, num ambiente de total descontracção, sentados em dois cadeirões e trocando gestos e palavras de amizade, que os presidente sdos EUA e da França falaram do que os une para enfrentar os problemas mais sérios da agenda internacional.
Obama classificou de "extraordinariamente provocatórias" as actividades nucleares da Coreia do Norte e de "extremamente perigoso" um Irão com a arma nuclear. A diplomacia francesa tem revelado sinais de alguma preocupação com o tom "demasiado dialogante" de Washington perante o regime dos mullahs. "Eu disse ao ministro [dos Negócios Estrangeiros de Teerão que acaba de passar em Paris] que era preciso que o Irão aceitasse a mão estendida de Barack Obama", disse Sarkozy.
O Presidente francês elogiou a importância do discurso do Cairo. Obama lembrou que israelitas e palestinianos têm de perceber que "os seus destinos estão ligados".
Houve apenas uma divergência sobre o lugar da Turquia. A Turquia foi um tema central da campanha eleitoral francesa. A França votará hoje.

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