Execuções paradas meses devido a falhas informáticas

Ministério ignora problema e não quer dizer como é que ele vai ser resolvido. Câmara dos Solicitadores reconhece falhas graves

a Desde 1 de Janeiro que as comunicações entre os tribunais e os solicitadores de execução passaram a ser feitas exclusivamente em suporte digital. Tal não constituiria qualquer problema se as mesmas funcionassem. Contudo, as falhas na ligação das aplicações informáticas do Ministério da Justiça e dos agentes de execução estão a atrasar muitas das acções executivas (processos que visam cobrar dívidas), que estão a ficar paradas durante vários meses. Confrontado pelo PÚBLICO, o Ministério da Justiça (MJ) enviou uma extensa resposta onde ilude o problema e não explica como o vai resolver. Já o presidente da Câmara dos Solicitadores, António Gomes da Cunha, admite "problemas graves" no funcionamento da aplicação informática dos solicitadores de execução e diz estar a fazer tudo ao seu alcance para resolver a situação.Luís Fernandes faltou à venda de um imóvel que ele próprio solicitara. "Tinha uma marcação que desconhecia. No sistema do tribunal aparece como enviada a notificação, mas eu nunca recebi a informação. A última comunicação que tinha relativa a este processo era o meu pedido de marcação da venda", explica este solicitador de execução.
Há casos mais graves. Luísa Patrão já foi multada por não ter obedecido a uma decisão judicial, da qual não teve conhecimento. O juiz deu-lhe 10 dias para fazer um relatório sobre o ponto de situação daquele processo executivo. Mas a solicitadora não cumpriu a ordem. Não podia. "A multa chega primeiro em carta do que o requerimento do juiz por via electrónica", conta Luísa Patrão. Os atrasos chegam a atingir cinco meses, o tempo que os processos ficam parados. E as multas multiplicam-se na classe. Quase todos os solicitadores - perto de 700 - têm pelo menos uma no currículo. Mas há quem tenha muito mais.
Armando Branco, presidente do colégio dos solicitadores de execução, admitiu ao PÚBLICO, antes da última assembleia geral, que está muito preocupado com a situação. "O futuro é a electrónica, infelizmente hoje ela não funciona", lamenta.
A Câmara dos Solicitadores é que controla o sistema informático usado pela classe. O presidente, António Gomes da Cunha, explica que os problemas se agravaram com a reforma da acção executiva, que entrou em vigor a 31 de Março. "Tivemos que adaptar a aplicação às novas regras e não houve tempo. O ministério devia ter feito tudo com mais tempo e mais planeamento", reconhece Gomes da Cunha. O MJ tem outra versão. "Em 31 de Março entraram em vigor novas medidas para simplificar e incrementar a eficácia da acção executiva, que foram preparadas com os meios necessários à sua concretização e que reforçaram os meios e acessos electrónicos disponíveis", diz na resposta que enviou ao PÚBLICO. Sem nunca falar dos problemas informáticos, afirma não ter recebido qualquer comunicação da Câmara dos Solicitadores sobre as multas aplicadas aos solicitadores de execução. Gomes da Cunha explica porquê: "Já me foram reportados vários casos, mas as pessoas nunca me mandam os documentos e eu assim não posso informar as entidades oficiais".
Alexandra Cidades e Luísa Patrão insistem noutro problema. Desde 2003, a altura em que foram criados os solicitadores de execução, a lei prevê o acesso a diversas bases de dados on-line. Mas a realidade mostrou-se diversa. "Só em Março de 2007 é que tivemos acesso à base de dados da Segurança Social e de forma muito limitada", refere Luísa Patrão. "Aparecia o nome do executado com quatro entidades patronais e nós não sabíamos quem devíamos contactar", sublinha Alexandra Cidades.
Ainda hoje a informação é insuficiente. O mito do fim do papel, não passa, por isso, disso mesmo: um mito. As consultas continuam inacessíveis na Caixa Geral de Aposentações, no registo predial e no comercial. A segurança social, o registo automóvel e o registo civil ainda hoje funcionam com algumas limitações. Há também penhoras como a dos saldos bancários que continuam inacessíveis.
Ninguém sabe ao certo quantos processos são nem porque ficaram parados tanto tempo. A verdade é que os solicitadores de execução tem acções executivas que datam de 2004, 2005 e 2006 e que ainda não lhes chegaram às mãos. "São processos que me foram distribuídos de forma informática, que eu aceitei, mas que ainda estou à espera que me sejam enviados fisicamente", precisa Luís Fernandes, solicitador de execução. Luísa Patrão também tem alguns. A maioria são das secretarias de execução de Lisboa e Porto. Mas também há do tribunal da Maia, de Matosinhos, de Sintra e de Oeiras. Os que o PÚBLICO pode apurar eram metidos por bancos e empresas.
A maior parte das novas regras desta reforma da acção executiva entraram em vigor em 31 de Março último. Além de encurtar, por decreto, os prazos para as execuções, as novas normas reforçam o papel do agentes de execução, que fica na dependência do exequente.
- Alarga-se aos advogados a possibilidade de exercer as funções de agente de execução.
- O requerimento executivo é imediatamente enviado electronicamente ao agente de execução, sem ter de se aguardar por qualquer acto da secretaria ou do juiz do tribunal.
- Reforça-se o papel do agente de execução, permitindo-lhe aceder directamente a dados de identificação dos executados e dos seus bens, efectuar directamente penhoras electrónicas ou extinguir a execução quando não se encontram bens.
- Reserva-se a intervenção do juiz para as situações de conflito, como proferir despacho liminar, apreciar uma oposição à execução ou à penhora, verificar e graduar créditos, julgar reclamações dos actos do agente de execução.
- Permite-se que o exequente possa substituir livremente o agente de execução e este passa a ter de informar o exequente de todas as diligências efectuadas.

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