URSS foi quem mais beneficou com assassínio de Eduardo Mondlane, diz investigador

O fundador da Frelimo era um "fiel da balança" entre
os interesses dos dois blocos em plena Guerra Fria

a O assassínio do líder histórico moçambicano Eduardo Mondlane, em Dar-es-Salam em 1969, pode ter tido "mão" de elementos da PIDE e da extrema-direita francesa mas beneficiou sobretudo os radicais da Frelimo pró-soviéticos, afirma o investigador José Duarte de Jesus. O embaixador e professor do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) sublinha as ligações da secreta do Estado Novo à Organisation de l'Armée Secrète (OAS), que agrupava elementos nacionalistas e de extrema-direita francesa, com raízes no pós-independência da Argélia que, acusados de ligação a um atentado contra o Presidente Charles de Gaulle, acabaram por ser expulsos e se instalaram em Portugal .
"Muitos deles foram condenados, alguns fugiram e pediram asilo a Portugal. Salazar deu-lhes asilo e um deles, o homem mais importante, o militar francês Yves Guérin-Serac, instalou-se cá, fundou uma agência, a Aginter Press, que tinha ligações com uma série de movimentos de extrema-direita na Europa", disse à agência Lusa o investigador.
"Viviam cá, treinavam e trabalhavam em conjunto com a PIDE uma série de informações. Tinham uma vantagem para o Estado Novo, que era a de não serem portugueses."
Na altura, estiveram ligados a acções de terrorismo em todo o mundo, que procuravam atribuir aos partidos comunistas e à esquerda.
Embora 40 anos depois dos factos as circunstâncias que rodeiam o assassínio de Mondlane ainda não sejam claras, "não se pode excluir" a pista PIDE-OAS, até porque na véspera da morte o número dois da OAS foi identificado em Dar-es-Salam, palco dos acontecimentos.
A haver "mão" portuguesa, afirma José Duarte de Jesus, foi de livre iniciativa dos agentes, e não partiu de São Bento, onde a notícia apanhou Marcello Caetano "desprevenido".
"Na documentação secreta entre Marcelo Caetano e Rebelo de Sousa vê-se que não estavam ao corrente da morte do Mondlane (...) e no tempo de Caetano, a PIDE não estava controlada como no tempo do Salazar".
"Portugal, como país, não o matou. Mas que possa ter sido algum agente da PIDE que o tenha feita parece-me muito mais provável", afirma. Os elementos da OAS acabaram por fugir de Portugal após o 25 de Abril e os seus arquivos desencaminharam-se.
Também as autoridades moçambicanas se mostram relutantes em publicar informação sensível, em particular um inquérito que o Presidente tanzaniano Julius Nyerere mandou fazer, com a colaboração da Scotland Yard e Interpol.
Aliás, defende, Mondlane era um "fiel da balança" entre interesses dos dois blocos em plena Guerra Fria e "quem mais lucrou [com a sua morte] foi a União Soviética e os elementos mais radicais da Frelimo", que "não gostavam dele", uma vez que "não era um marxista, não alinhava com as ideias mais radicais" e até "era casado com uma americana branca", que conheceu enquanto leccionou nos EUA, na Universidade de Siracusa.
"O Congresso [da Frelimo] que se seguiu [à morte] é a viragem para a URSS. O desaparecimento dele foi útil" para os radicais, afirma.
Tudo isto, diz o investigador, contribuiu para a dificuldade de identificar o autor da morte do líder histórico moçambicano.
Certo, adianta, é que Moçambique perdeu "um desses líderes africanos que teria criado uma independência sem deixar o país cair noutro colonialismo qualquer", disse à Lusa. Lusa
Quarenta anos depois, as circunstâncias da morte de Mondlane, fundador da Frelimo, ainda não são claras

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