A Índia que vota debaixo de fogo

A guerrilha maoísta foi considerada pelo Governo indiano como "a maior ameaça" ao país.
Há outras que põem em causa a segurança. E nenhuma parece estar prestes a ser resolvida

a Quem tiver a marca da tinta indelével que é posta nos dedos em sinal de que votou, ficará sem eles. Esta era a ameaça dos rebeldes naxalitas. Mas os votos venceram as balas, regozijava-se parte da imprensa indiana na sexta-feira, um dia depois do arranque das legislativas. Apesar dos fantasmas da violência maoísta, islamista ou regionalista, os eleitores foram às urnas em números considerados "normais", ou seja, acima dos 60 por cento. Entre outras coisas, porque querem melhorar a segurança no país.
Horas depois de as mesas de voto abrirem para a primeira das cinco fases eleitorais - a votação termina a 13 de Maio, com os resultados a serem anunciados três dias depois -, 18 pessoas tinham morrido às mãos da guerrilha naxalita em vários ataques quase simultâneos. O gigantesco aparelho de segurança montado pelo Governo, com mais de dois milhões de forças na rua, não impediu que este fosse um dos momentos eleitorais mais sangrentos de sempre.
De inspiração maoísta, os naxalitas estão agora presentes, com mais ou menos intensidade, em 15 dos 28 estados do país. Criaram o chamado "Corredor Vermelho" que vai do Andhra Pradesh, no Sul, passa por Chhattisgarh, no Centro, e termina no Bengala Ocidental, no Leste.
Os guerrilheiros, que dizem lutar por uma ditadura do proletariado e por mais direitos para os pobres, começaram a sua revolta na localidade de Naxalbari, no Bengala Ocidental, em 1967, mas foram inicialmente esmagados pelo Congresso, no poder, recorda a Reuters.
Reagruparam-se na década de 1980 e começaram a recrutar centenas de agricultores pobres, que armaram com arcos e flechas, espingardas, e agora metralhadoras, lança-rockets e explosivos. Hoje, têm oficialmente cerca de dez mil membros - há estimativas que apontam para 20 mil - repartidos em vários pequenos grupos.
Deixaram de estar apenas concentrados em regiões rurais e nas florestas, e começaram também a entrar em algumas zonas urbanas. Atacam alvos ligados à economia do país, como linhas ferroviárias e fábricas. Em 2007, a guerrilha fez 800 mortos; no ano passado, já foram mais de mil.
Grandes ambições
A situação tornou-se de tal forma grave que em 2006 o primeiro-ministro, Manmohan Singh, definiu-a como a "maior ameaça à segurança interna que o país alguma vez enfrentou", ou seja, acima dos ataques islamistas e do conflito em Caxemira.
Mas, apesar de confrontos recorrentes entre os naxalitas e as forças governamentais, não há grandes sinais de que a ameaça esteja a ser devidamente enfrentada.
"A previsão maoísta é a de que conseguirão tomar conta do estado indiano em 2050", comentou à BBC Ajai Sahni, do Instituto para a Gestão de Conflitos (IFCM), um think-tank de Nova Deli. "É esse o tipo de previsões que eles fazem - olham para os próximos 40 anos."
Apesar das palavras de Singh, o mesmo responsável apontou para a inacção do Governo: "Quero acreditar que se o Estado indiano acordar e começar a resolver este assunto como deve ser, será só uma fantasia... Mas se os maoístas conseguirem ter uma capacidade destrutiva como estão actualmente a tentar fazer, se conseguirem fazer isso por todo o país, o Estado indiano estará a olhar para um combate que será muito, muito difícil."
Vários observadores argumentam que uma das formas de travar esta luta é substituindo as armas pelo diá-
logo.
Um relatório entregue há um ano pela Comissão de Planeamento, um think-tank do Governo, criticava o executivo por tratar a guerrilha como um problema de ordem pública sem tentar resolver as suas origens: pobreza, literacia, desemprego, injustiça social e sistema de castas. "Temos de abrir as linhas de comunicação", defendia Santosh Mehrotra, membro do painel, ouvido então pelo diário britânico The Times.
O mesmo responsável acusava a abordagem governamental de ser "demasiado centrada na segurança. Não é forma de avançar. Tem de caminhar com duas pernas: segurança e desenvolvimento".
O relatório aconselhava a uma tentativa de diminuir as disparidades entre as populações rurais e urbanas, entre as castas mais baixas e mais altas, e entre minoras étnicas: o combustível que os naxalitas têm usado para as suas operações.
A ameaça islamista...
Difícil também tem sido deter os crescentes ataques islamistas. Não é uma ameaça recente, mas os atentados de Bombaim, em Novembro - que nem sequer foram os mais mortais - mostram que novos alvos começaram a entrar na mira dos terroristas: empresários, estrangeiros e judeus.
Nova Deli apontou de imediato para uma relação com o arqui-rival Paquistão; e não seria a primeira vez que grupos paquistaneses lançariam um ataque em território indiano, fora de Caxemira.
Mas há também dentro do país vários elementos islamistas que são sobretudo o resultado da discriminação hindu face aos muçulmanos (a maior minoria religiosa da Índia, com 150 milhões de pessoas), que assiduamente constituem os seus alvos. Como os Mujahedeen da Índia, por exemplo.
A Economist escrevia recentemente que, pelas suas exigências, este grupo tem mais em comum com os agricultores revolucionários e separatistas regionais do que com os combatentes inspirados na Al-Qaeda: "Querem protecções legais que o Estado devia, mas não consegue, garantir", lê-se.
Com 140 mortos no último Verão, Jaipur, Ahmedabad, Bangalore e Deli foram os grandes alvos dos Mujahedeen da Índia no ano passado. Depois dos atentados de Bombaim, avisaram numa carta: "Se pensam que com as detenções, expulsões, mortes, assassínios, armadilhas, torturas, sofrimentos, processos, julgamentos e tribulações que nos são infligidas nós não vos responderemos, então deixem que vos lembre: esses dias acabaram".
... e a luta separatista
No rol da violência estão ainda os confrontos que envolvem cristãos, os 27000 "crimes de casta" ocorridos no ano passado; e a incontornável questão de Caxemira, onde movimentos islamistas combatem a presença indiana. Em 2008, 525 vítimas vieram juntar-se aos 47 mil mortos que os confrontos provocaram desde o início da luta armada separatista, há duas décadas.
Mas ainda não é tudo quanto a combates pela autonomia. Os estados que ficaram separados do resto do território com a criação do Bangladesh, no Nordeste do país - Manipur, Nagaland, Assam, Meghalaya, Tripura, Mizoram e Arunachal Pradesh - são também palco de vários movimentos separatistas, que provocaram 50 mil mortos desde a independência, recorda a AFP.
Todos estes focos de violência criaram um sentimento de insegurança forte nos indianos. De tal forma que o Governo decidiu transferir a competição de críquete para o estrangeiro, com medo de que se tornasse alvo de um ataque durante as eleições.
Os eleitores até poderão apresentar um cartão vermelho ao Congresso, que lidera a actual coligação, pela forma desastrada como reagiu a Bombaim. Mas, como alternativa, refere o escritor Aravind Adiga num artigo publicado 23 de Março no Times, têm o partido nacionalista hindu, BJP, "que fará de cristãos e muçulmanos cidadãos de segunda, como faz cada vez que é eleito", ou a Terceira Frente, de Mayawati, que prometeria um Governo "caótico, corrupto e ineficaz na guerra ao terrorismo".
A segurança não é o único factor na balança. Por isso é que os resultados desta maratona eleitoral estão totalmente em aberto.

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