Torne-se perito

Como um Nobel pode dar em cozinheiro de droga

A série de Vince Gilligan - pura comédia negra - é mais uma viagem ao mundo do tráfico de droga

a No início de 2008, e especialmente depois da vitória nos Globos de Ouro, só se falava de Mad Men, a pequena grande série sobre o circuito publicitário na década de 1960 que ganhou dois prémios. E que viria a conseguir 16 nomeações para os Emmys. Pois no final do ano falava-se de Ruptura Total, produção de um canal de cinema (AMC) que, por duas vezes, decidiu apostar em séries para a sua grelha. O TV Cine 4, em alta-definição, fez o mesmo e com a estreia de Ruptura Total encerra o seu espaço aberto para as séries.Ruptura Total sucede a My Own Worst Enemy (com Christian Slater, entretanto cancelada nos EUA) e The 11th Hour no TV Cine 4 (canal pago por subscrição). "Não vamos ter mais séries após a transmissão de Ruptura Total (a segunda temporada, recentemente estreada nos EUA, também já está garantida pela ZON)", explica José Navarro de Andrade, director-geral de canais de televisão da ZON TV Cabo. A ideia era abrir um espaço, uma espécie de ocasião especial, e por isso foram escolhidas "três séries muito cinematográficas" para integrar a grelha de um canal exclusivamente dedicado aos filmes.
Porquê Ruptura Total? A série de Vince Gilligan, vencedora de dois Emmys, é uma viagem ao mundo do tráfico de droga que não tem como cicerone uma bela viúva desesperada (Erva/RTP2 e Mov), nem um aglomerado de delinquentes e polícias corruptos (Sob Escuta/Fox Crime). O nosso guia é um professor de química de 50 anos cuja mulher está grávida e que tem um filho portador de deficiência que é constantemente diminuído pelos seus pares. Walter White (Bryan Cranston, A Vida É Injusta, SIC Radical) não tem futuro. Literalmente. Em plena crise da meia idade, a pouca dignidade que tem é-lhe servida numa bandeja, retalhada e doente, quando sabe que além de ter que engolir o orgulho quando lava as jantes do carro de um aluno, terá um encontro com a morte num futuro próximo.
Numa interpretação crua, Cranston torna-se num homem tímido com um cérebro demasiado grande para a sua teia de relações na cidade de Albuquerque (Novo México) - outrora, integrou uma investigação que recebeu o Prémio Nobel. Uma narrativa pontuada pela comédia negra e pelo drama leva-o, como se naturalmente, ao fabrico de metanfetaminas num laboratório montado com um brio que o ex-aluno tornado seu parceiro de tráfico simplesmente não compreende.
Numa coincidência temporal certeira, os sete episódios da primeira temporada de Ruptura Total chegaram aos EUA no período de pré-crise. Os padrões de vida da classe média estão agora a ser postos em causa e, não surpreendentemente, a segunda temporada (já com 13 episódios) está a ter belas audiências, superiores às de Mad Men (que em Portugal passa no FoxNext no Meo). O crime talvez compense para um professor de química maltratado pela vida e pelo sistema, questiona Ruptura Total. A crítica, em média, aprovou esta nova investida do AMC e da ficção televisiva pela comédia negra baseada num sector problemático da sociedade e a dissecação do eterno dilema ou ponto de fissão que leva alguém a romper com a norma e a procurar soluções nos recantos mais escuros do Novo México.

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