Lagos debruça-se sobre o mar e reduz para metade a largura da avenida marginal

Zona ribeirinha volta a ser o centro da vida da cidade, valorizado com achados arqueológicos da época dos Descobrimentos. Automóveis ficam em parques subterrâneos com 900 lugares

a Ao revolver as lajes da zona ribeirinha de Lagos, os arqueólogos descobriram a antiga cidade do Infante D. Henrique virada para o mar. Resgatar o património que ficou enterrado com a construção da Avenida dos Descobrimentos, na década de 40, é o objectivo da operação que está agora a ser levada a cabo no âmbito do programa Polis. Um cais do século XVII, duas portas de acesso à cidade e uma muralha entre o Palácio dos Governadores e a messe militar constituem os vestígios mais significativos, detectados no decorrer de uma intervenção urbanística que visa criar mais 900 lugares em dois parques de estacionamento subterrâneos e alargar o espaço pedonal na orla marítima.
A requalificação da zona ribeirinha, um investimento de 2,2 milhões de euros, faz parte da terceira e última fase do programa Polis, que conta com 5,5 milhões de euros de orçamento total, dois terços dos quais comparticipados pela administração central. A criação do "anel verde" (Par-
que da Cidade) e a recuperação do núcleo primitivo do centro histórico foram as duas fases anteriores. Para completar o projecto, sublinha o presidente da câmara, Júlio Barroso (PS), falta passar para a posse do município o edifício Mercado dos Escravos, "em poder da messe militar, a fim de aí se instalar um pólo museológico dedicado à escravatura". As negociações, diz, "já duram há algum tempo", deixando entender que o Ministério da Defesa não parece disposto a ceder as instalações.
A maior parte do troço das muralhas diluiu-se na paisagem urbana para quem passa pela Avenida dos Descobrimentos. O que sobressai é um muro pintado de amarelo, sem o devido enquadramento histórico. A este propósito, a arqueóloga Elena Morán observa: "As pessoas vão de carro e nem olham para o lado, e há tanta coisa interessante para descobrir". As primeiras evidências de urbanismo em Lagos, na área do actual centro histórico, remontam ao período romano imperial. Porém, é a história ligada ao Infante D. Henrique, com alguns mitos à mistura, que mais atrai os turistas. Aqui foram vendidos os primeiros escravos negros chegados da África ocidental. A promoção da cidade, diz Júlio Barroso, "passa por assumir o passado em toda a sua dimensão, e valorizar também o património imaterial".
Os dois parques de estacionamento - Parque da Avenida (frente ribeirinha) e Parque da Cidade (Praça das Armas) - representam um investimento de 15,7 milhões de euros, a desenvolver por uma parceria público-privada. O primeiro tem dois pisos abaixo do solo e o segundo três. À superfície pretende-se valorizar o espaço, criando roteiros culturais que mostrem como se fazia no século XVII o acesso marítimo-fluvial à cidade - numa primeira fase por um cais e depois através de duas portas.
A intervenção urbana, refere Elena Morán, foi acompanhada em permanência pela arqueologia, "e os projectistas integraram os achados como elemento de valorização do espaço". Aliás, sublinha, "antes do início dos trabalhos fizeram-se as escavações para diagnóstico arqueológico". A recuperação do espaço, conclui, "permitirá a valorização de vestígios que estavam até agora pouco dignificados ou mesmo invisíveis, por se encontrarem enterrados".
A requalificação da frente ribeirinha vai implicar que a Avenida dos Descobrimentos fique reduzida a metade, passando a ter apenas duas faixas de rodagem. Júlio Barroso diz que o objectivo é "devolver a cidade ao mar, criando mais espaço para as pessoas usufruírem de um lugar com história". O reencontro com o cais da ribeira, enfatiza, "é mais um elemento para a consolidação da imagem de Lagos, cidade dos Descobrimentos".
A câmara criou incentivos para os promotores imobiliários valorizarem os achados arqueológicos como parte integrante do património em vez de os esconderem das autoridades. A lei estabelece que compete ao proprietário pagar as prospecções arqueológicas quando são encontrados vestígios. O município aprovou um regulamento que prevê a dedução, nas taxas municipais, de 80 a cem por cento do montante que gastou com as escavações. Apenas oito das 16 câmaras algarvias contam arqueólogos nos seus quadros de pessoal.

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