Torne-se perito

O belo-horrível que aguarda remédio

A A mãe bem os tenta controlar. Mas os miúdos escapam-lhe facilmente, penduram-se na vedação e ficam a baloiçar. O início da conversa sai truncado, porque uma preocupação maior se impõe. Ali à frente abre-se uma enorme cratera, inundada por um lago avermelhado, de águas ácidas, simultaneamente esplêndido e sinistro. É uma das atracções para as centenas de turistas que visitam todos os anos as minas de São Domingos, no concelho de Mértola, no Baixo Alentejo.A partir daquela cratera, estende--se um vale dantesco mas cativante. Ruínas industriais, escombros mineiros, montanhas de resíduos, uma ribeira igualmente encarnada, poluída, várias lagoas semelhantes. Em alguns pontos, o cenário é lunar. Em outros, parece que o local foi bombardeado.
"É uma paisagem estranha, um belo-horrível", avalia Jorge Vieira, que, com a mulher e os dois filhos, veio visitar as minas de São Domingos pela primeira vez. Ambos são gerentes de um turismo rural na Vidigueira. Por vezes, sugerem o passeio a São Domingos aos seus hóspedes. "Quem cá vem gosta muito; isso acaba por ter uma beleza muito própria", afirma.
A singular beleza do local não esconde aquilo que representa: esse é um dos principais pontos negros de poluição mineira em Portugal. As suas mazelas são sobejamente conhecidas, há muitos anos. Mas São Domingos não está, para já, no lote de antigas explorações abandonadas que vão ser alvo de requalificação até 2013.
Segundo Gaspar Nero, da Empresa de Desenvolvimento Mineiro (EDM), o elevado investimento necessário para a sua requalificação - cerca de 17,5 milhões de euros - consumiria uma fatia demasiado grande dos fundos disponíveis no QREN para as minas abandonadas. Uma alternativa será uma candidatura a fundos comunitários destinados a iniciativas regionais, que ainda não foi concretizada.
O principal problema das minas de São Domingos é a drenagem ácida que escorre dos seus intermináveis depósitos de resíduos mineiros, espalhados por cerca de 140 hectares. É um cocktail carregado de compostos de enxofre e de metais - como arsénio, cádmio, cobre, ferro, chumbo e níquel.
A água poluída corre livre pelo centro do vale ou está, em alguns pontos, armazenada em precárias barragens. Algumas têm água com pH 1, equivalente ao do ácido hidroclorídrico - o fortíssimo suco gástrico que o estômago produz para quebrar os alimentos.
Desde que as minas foram encerradas em 1966, depois de 112 anos de exploração intensiva e com um legado que vinha desde os romanos, a situação apenas se degradou. "É como uma casa abandonada", compara João Matos, do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG).
Trabalhos recentes de investigadores portugueses e espanhóis - envolvidos no projecto UTPIA - detectaram concentrações relevantes de metais pesados nas raízes das plantas, na água e em bivalves do Guadiana. Os níveis maiores observam-se nas zonas mais próximas da região mineira. Embora diluída, a poluição chega à albufeira do Chança, em Espanha.
Poluição sob as casas
A quantidade de resíduos, muitos deles perigosos, acumulada em São Domingos foi calculada em cerca de 25 milhões de metros cúbicos - o que equivale a uma pilha do tamanho de um campo de futebol, com dois quilómetros e meio de altura.
A maior parte - 14 milhões de metros cúbicos - está sob as casas da vila da Mina de São Domingos. Durante décadas, os mineiros viveram em pequenas habitações em banda, constituídas de uma única divisão, repartida por uma família inteira ou por vários trabalhadores.
Numa delas funciona hoje a Casa do Mineiro, um museu e centro de documentação geridos pela Fundação Serrão Martins, criada pela Câmara de Mértola e pela empresa La Sabina, a antiga concessionária das minas.
As minas de São Domingos foram alvo já de uma primeira intervenção, mas de cariz turístico. Por todo o antigo complexo, há painéis explicativos da geologia da região e da exploração mineira. Há poucos anos, foram instaladas vedações ao redor de locais críticos - como as lagoas ácidas. Mas parte do material foi vandalizado e já não está lá. A intervenção ambiental de fundo, a cargo da EDM, aguarda financiamento.
Tal como está, as minas não deixam de atrair visitantes. Numa quinta-feira fria de Fevereiro, passaram pela Casa do Mineiro seis turistas portugueses e dois italianos. A média é de 100 visitantes nos meses frios e 500 nos meses quentes.
O cenário de destruição das minas será um atractivo. Mas, para Rui Guita, coordenador da Fundação Serrão Martins, o principal "é o facto de ter havido aqui uma actividade mineira e de se poder ver isto". Rui Guita aponta também a possibilidade de se ficar a conhecer melhor o que são e porque foram tão importantes as formações rochosas da região. "Isto é um jardim geológico", diz.

Em alguns pontos,
o cenário é lunar.
Em outros, parece
que o local
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