Estilo de vida saudável pode bastar para reduzir em 40 por cento o risco de cancro

Um relatório internacional divulgado ontem reforça o peso dos hábitos de vida nas neoplasias. O sal em excesso português foi notado

a Um terço dos doze cancros mais comuns nos países ricos e um quarto dos casos nos países pobres ou em vias de desenvolvimento podiam ser evitados com uma dieta equilibrada, boa nutrição e exercício físico. Esta é uma das conclusões do relatório divulgado ontem pelo Fundo Mundial para a Investigação do Cancro (WCRF) que confirma o peso de um estilo de vida saudável na redução do risco de cancro. No caso do cancro da mama e do intestino, por exemplo, o risco diminui 40 por cento. Os peritos terão deixado de fora destas estatísticas a negra ameaça do tabaco.Os valores podem ir desde os 75 por cento a seis por cento (ver quadro ao lado). Exemplos: aumentar a ingestão de vegetais e fruta pode traduzir-se numa queda de 67 por cento de casos anuais de cancro da boca, faringe e laringe.
As consequências variam de país para país, tendo em conta os respectivos consumos. No cancro do esófago estas opções associadas a um consumo reduzido de álcool podem significar menos 75 por cento dos casos, isto no Reino Unido.
O relatório, intitulado Políticas e Acção para a Prevenção do Cancro, inclui uma referência específica a Portugal: o excesso de sal, que tem sido associado ao cancro de estômago. "Algumas dietas tradicionais, como as do Japão, Portugal e Brasil, são excepcionalmente salgadas", critica o documento.
"É um relatório optimista", nota Michael Marmot, um dos peritos do painel que reuniu 23 especialistas de vários países, no site oficial do WCRF. Segundo explica, o documento contradiz a percepção fatídica que pode ser dada ao cancro [as estimativas referem que apenas cerca de 20 por cento dos casos são hereditários] e mostra que há uma parte substancial das neoplasias que pode ser eliminada. Depende "apenas" de nós ou, segundo o relatório, das medidas que podem ser adoptadas por vários grupos de actores sociais. Desde o pai ou da mãe que vão às compras até ao Governo que poderá impor uma política severa de rotulagem dos produtos, entre muitas outras medidas, passando pela oferta de alimentos nas escolas ou locais de trabalho.
Em 2007, o painel de especialistas do WCRF tinha publicado um relatório que já alertava para as causas do cancro, associadas à comida, nutrição ou prática de exercício físico, e avançava com uma série de recomendações. Desta vez, foram mais longe. "Primeiro olhámos para as causas da doença. Agora quisemos olhar para as causas das causas. Quisemos perceber por que é que as pessoas bebem assim, comem assim, ou são sedentárias", refere Michael Marmot.

Os custos da inacçãoA resposta, acrescenta, está em factores sociais, ambientais e culturais e, por isso, as soluções também devem ser procuradas nesses contextos. "Não nos podemos dar ao luxo de não fazer nada. Os custos da inacção são enormes", sublinha o perito. Os números são conhecidos mas Marmot repete: actualmente, registam-se 11 milhões de novos casos de cancro por ano e sete milhões de mortes. Em 2020, e muito devido à epidemia da obesidade, estes valores deverão aumentar para 15 milhões de novos casos e 10 milhões de mortes. Os especialistas fizeram questão de apresentar uma lista de medidas a adoptar, sem qualquer hierarquia: evitar o açúcar, limitar o consumo de carnes vermelhas, beber pouco, comer cinco porções de fruta e vegetais por dia, fazer 30 minutos de exercício físico por dia.
"Já sabíamos que os hábitos de vida, incluindo o tabaco, eram responsáveis por 60 por cento das neoplasias, mas é importante um estudo fundamentado que confirme isso definitivamente", comenta Vítor Veloso, especialista no Instituto Português de Oncologia e presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro. Segundo refere, os dados funcionam para sensibilizar a população, mas, mais importante do que isso, "devem servir para ajudar os responsáveis pela saúde a tomar decisões políticas e definir estratégias de prevenção do cancro".

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