Torne-se perito

Arco 2009

A Arco faz o seu balanço oficial apenas hoje, mas ao longo do fim-de-semana os galeristas apontavam para um ano longe do desastre anunciado. Há quem já tenha decidido, porém, que não vai voltar. Por Vanessa Rato, em Madrid

a Sexta-feira, fim de tarde. Fim também dos dois dias que a Arco, a feira de arte contemporânea de Madrid, dedica a profissionais. Com o grande público já por todo o lado de máquina fotográfica em riste e os coleccionadores, artistas e curadores a começar a desaparecer, surgem os primeiros balanços e Juana de Aizpuro, uma das mais emblemáticas galeristas espanholas, olha-nos bem de frente e sorri quando lhe falamos de crise. No seu caso, estamos a falar de um percurso de quase 40 anos, desde 1970: "Esta é a quarta crise por que passo e posso garantir que não é das piores. Houve crises em Espanha em que se perdeu todo o interesse pela arte, em que ninguém ia às galerias. Neste momento, na minhas inaugurações tenho o mesmo ambiente festivo de sempre. Esta é certamente uma crise profunda e complicada, com implicações que ainda não alcançamos, mas é uma crise financeira, que afecta apenas a economia. A paixão pela arte não se apaga com uma crise deste tipo."
Insistimos - uma coisa é a paixão, o prazer, a maior ou menor escala do impacto psicológico de um momento de reajuste geral, outra coisa é o poder de compra. Nada. Sob a sua emblemática coroa de cabelos vermelhos, a galerista continua a sorrir: "Sim, talvez o que se esteja a vender este ano sejam as peças médias, e não as mais caras, mas era óbvio que este ano ia ser mais difícil, um desastre nunca. Os coleccionadores espanhóis estão cá todos e são já coleccionadores sólidos, de continuidade. Quando se pode contar com esta classe de coleccionadores, corre sempre relativamente bem."
Olhamos em volta: efectivamente, este não é um stand de crise. Em vez do refúgio mais seguro dos formatos médios e pequenos de pintura, desenho e fotografia - os suportes que mais facilmente se vendem -, algumas peças de grandes formatos, bastante escultura e vídeo. E várias peças vendidas, trabalhos de nomes como Wolfgang Tillmans e Miroslav Balka. Peças, segundo a galerista, com valores até aos 30 mil euros, mas normalmente a rondar os 25 mil euros. Vinte e cinco mil, aquele que, em 2009, parece ser o número de referência na Arco, o valor repetido pela maioria dos galeristas como a média das suas vendas, independentemente das características formais das obras e, às vezes, até da moeda.
Vinte e cinco mil dólares (mais de 19 mil euros) é, por exemplo, o valor de cada um dos quatro pequeníssimos trabalhos de pintura do conhecido artista mexicano Gabriel Orozco, que a galeria norte-americana Marian Goodman exibe numa das paredes laterais do seu stand, diminutas inscrições geométricas que o artista faz sobre os cartões de embarque correspondentes às suas múltiplas viagens por todo o mundo - não o cartão completo, apenas a pequena parte deixada ao passageiro, onde se lê o nome, a proveniência, o destino e o lugar reservado no avião. Dois foram vendidos, e já em euros, mas ainda na Marian Goodman, 25 mil é também o valor de alguns dos desenhos do espanhol Juan Muñoz, falecido em 2001 no mais alto pico da sua carreira até à época.
A responsável pelo stand da Marian Goodman acaba por não explicar o que mais vendeu para além de Orozco, numa das galerias com nomes tão conhecidos e cotados como Orozco e Muñoz, mas também Lawrence Weiner, John Baldessari, Thomas Struth, Rineka Dijkstra ou Lothar Baumgarten, uma galeria que podia dar-se mal na Arco mesmo no mercado em alta. "Não vou entrar em pormenores, mas posso dizer que não tem estado mau", garante a responsável pelo stand. É o que ao longo da tarde de sábado ouviremos ainda em espaços como a Anthony Reynolds, onde se mostram trabalhos de artistas como Paul Graham e onde uma peça de texto de Nancy Spero sobre a violência sexual exercida sobre as mulheres está marcada a 85 mil euros. "Toda a gente esperava que fosse um desastre, mas até estou a achar menos mau do que no ano passado", diz-nos o galerista, explicando que, desta vez, trouxe a Espanha trabalhos entre cinco e 120 mil euros - o normal para uma feira média. "Vendemos algumas boas coisas à volta dos 20 mil euros, conhecemos alguns novos coleccionadores e combinámos duas exposições em dois museus, um no Brasil e outro na Alemanha", resume. Depois ouvimos Manuel Ulisses, da galeria portuense Quadrado Azul e comparamos: "Nunca é um desastre, basta estar e fazer contactos para já não ser um desastre." Na Quadrado Azul houve várias obras vendidas, nomeadamente uma grande paisagem, óleo sobre tela de João Queiroz. "Há uma diferença indiscutível de vendas, mas isso ninguém pode estranhar, e depois da feira muitas coisas acontecem."
Os erros da feira
Num ano em que as galerias portuguesas quase boicotaram em bloco a histórica presença nacional na Arco e em que o Ministério da Cultura acabou por criar uma situação de compromisso, acendendo reembolsar eventuais perdas em valores até oito mil euros, poderia esperar-se um discurso mais pessimista da parte das 12 que acabaram por viajar até Madrid. Um discurso que chegou a sentir-se nos primeiros dias, mas que no sábado tinha já desaparecido. Na Fernando Santos venderam-se várias telas de Nikias Skapinakis e na Filomena Soares trabalhos de artistas com bons percursos como Helena Almeida, José Pedro Croft e Vasco Araújo. Na António Henriques, que está na Arco 40, para galerias mais pequenas, venderam-se trabalhos de Diogo Pimentão, da sua belíssima série de desenhos tridimensionais. Já na Graça Brandão há reservas para várias obras da brasileira Lygia Pape e na Cristina Guerra avançam-se mesmo valores acima da média: 40 mil euros por um biombo em vidro com impressões fotográficas da alemã Sabine Hornig, adquirido por uma instituição portuguesa.
Se juntarmos a este panorama o balanço positivo feito até pelos galeristas vindos da Índia, o país convidado da Arco, sem uma verdadeira rede de compradores na Europa, parece que, apesar da crise e das enormes quebras do mercado leiloeiro, a arte contemporânea não enfrenta em 2009 o desastre anunciado, escapando ao completo rebentar da bolha. Mas há que contar com o bluff, com a chamada poker face, há que contar com o falso optimismo, forma de oferecer confiança a potenciais compradores, assegurando uma estabilidade mínima no sector.
Com isso o director da galeria alemã Karsten Greve não está minimamente preocupado. Presença habitual na Arco com stands recheados de obras de grandes formatos de artistas já históricos, não hesita e diz-nos irritado: "Esta feira está acometer todos os erros que conhecemos há 40 anos. Vai acabar num nível muito baixo."
Com obras no stand como uma enorme escultura em corda, lã e madeira de Jannis Kounnelis - "a última de arte que ele tem no mercado neste momento" - marcada a 2,6 milhões de euros, e uma série de esculturas e pinturas de Louise Bourgeois, as maiores e mais recentes das quais datadas de 2008, a 285 mil euros, o responsável por este espaço diz que em 2008 vendeu na Arco uma peça de três milhões de euros e cinco ou seis trabalhos entre 200 mil e dois milhões de euros. Este ano, quase nada.
"Não vou voltar"
"Há três ou quatro anos havia comités de museus, o que é sempre interessante. Este ano, zero. E este é o lado da questão que nem sequer tem nada a ver com dinheiro. A verdadeira questão é que a feira está mal organizada. Para quem vem de fora, como eu, sai mais cara do que Basileia, só que com vendas 50 vezes inferiores. Vendas muito más, completamente desinteressantes. Eu adoro Madrid, mas todos sabemos que não é possível fazer uma boa feira com mais de 100 galerias, aqui há 250 e nos últimos dois anos nem sequer vi ninguém da direcção, nunca me vieram visitar. A Arco neste momento não está interessada em qualidade, está interessada em vender stands."
Em relação aos museus e centros de arte espanhóis, e ainda sem dados finais, a organização da feira anunciava ontem compras na ordem de um milhão de euros (um terço do valor da peça que o galerista alemão vendeu no ano passado), com destaque para as aquisições do Museu Nacional Rainha Sofia, afecto ao Ministério da Cultura, que investiu cerca de 675 mil euros em obras de Rosa Barba, Kurt Schwitters, Brassaï ou Francesc Ruiz.
O director da Karsten Greve já tomou uma decisão: "Não vou voltar." Nem sequer tem a ver com a crise: "Em 1973, 1974 a primeira crise do petróleo foi terrível, não vinha sequer ninguém à minha galeria - tinha três visitantes por mês. Nos anos 1980 voltou a ser horrível, e, em 1991, com a invasão iraquiana do Kuwait, foi um pesadelo. Já vi muitos pesadelos. A questão é qualidade e um galerista que trabalha como eu, que em vez de ter trabalhos à consignação os compra aos artistas para depois vender, pode simplesmente ficar sentado à espera de melhor momento. Se precisar pode sempre vender um Picasso, nem que seja por dez vezes menos o seu valor noutra altura."
É outro lado da história.
dias, mas que no sábado tinha já desaparecido. Na Fernando Santos venderam-se várias telas de Nikias Skapinakis e na Filomena Soares trabalhos de artistas com bons percursos como Helena Almeida, José Pedro Croft e Vasco Araújo. Na António Henriques, que está na Arco 40, para galerias mais pequenas, venderam-se trabalhos de Diogo Pimentão, da sua belíssima série de desenhos tridimensionais. Já na Graça Brandão há reservas para várias obras da brasileira Lygia Pape e na Cristina Guerra avançam-se mesmo valores acima da média: 40 mil euros por um biombo em vidro com impressões fotográficas da alemã Sabine Hornig, adquirido por uma instituição portuguesa.
Se juntarmos a este panorama o balanço positivo feito até pelos galeristas vindos da Índia, o país convidado da Arco, sem uma verdadeira rede de compradores na Europa, parece que, apesar da crise e das enormes quebras do mercado leiloeiro, a arte contemporânea não enfrenta em 2009 o desastre anunciado, escapando ao completo rebentar da bolha. Mas há que contar com o bluff, com a chamada poker face, há que contar com o falso optimismo, forma de oferecer confiança a potenciais compradores, assegurando uma estabilidade mínima no sector. Com isso o director da galeria alemã Karsten Greve não está minimamente preocupado. Presença habitual na Arco com stands recheados de obras de grandes formatos de artistas já históricos, não hesita e diz-nos irritado: "Esta feira está acometer todos os erros que conhecemos há 40 anos. Vai acabar num nível muito baixo." Com obras no stand como uma enorme escultura em corda, lã e madeira de Jannis Kounnelis - "a última de arte que ele tem no mercado neste momento" - marcada a 2,6 milhões de euros, e uma série de esculturas e pinturas de Louise Bourgeois, as maiores e mais recentes das quais datadas de 2008, a 285 mil euros, o responsável por este espaço diz que em 2008 vendeu na Arco uma peça de três milhões de euros e cinco ou seis trabalhos entre 200 mil e dois milhões de euros. Este ano, quase nada.

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