No 40.º aniversário da morte de António Sérgio

A razão, a emoção e o sentimento sempre foram indissociáveis em António Sérgio

António Sérgio (1883-1969), que tem marcado gerações em aspectos teóricos e práticos, tem sido alvo de numerosos textos encomiásticos ao longo dos anos, mas hoje está quase esquecido. Este intelectual multímodo, autodefiniu-se em entrevista a Igrejas Caeiro (1958): "Talvez filósofo, sociólogo e reformador social... e pedagogista."1958 foi ano trágico. Fotografias tiradas em 27 de Abril, em que estou ao lado deste meu Mestre e tio-avô, evidenciam-no confiante nas eleições presidenciais (que ocorreram cerca de um mês depois), nas quais foi o promotor de Humberto Delgado; nunca mais recuperou da depressão motivada pela derrota. Em Novembro, Sérgio foi preso pela última vez, durante cerca de uma semana, em Caxias, tendo sido liberto às 3h da madrugada de sábado 29, conforme apontei no meu diário. A minha mãe, sobrinha materna, era praticamente uma filha e na convalescença do tio, de 11 de Julho a 10 de Agosto de 1959, acolhemos os queridos tios Luísa e António na nossa casa de Lisboa, depois na de Cascais e, no Natal, novamente na de Lisboa. A tia Luísa faleceu em Fevereiro de 1960.
A casa daquele cultíssimo casal, na Travessa do Moinho de Vento, n.º 4, à Lapa, em Lisboa, centro de fascinantes e concorridos debates intelectuais, principalmente aos sábados à tarde (que vivi desde pequena, quando a minha mãe ia ajudar a tia Luísa a servir o chá), emudeceu sobretudo desde a morte da dona. Essa morada foi para mim outra Universidade, onde continuei então a aprender com a mente ainda brilhante de António Sérgio; para alegria do tio, em 1966 fiz um trabalho sobre a sua faceta de historiador para a cadeira de História de Portugal, regida pelo professor Borges de Macedo, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Depois de muitos problemas de saúde, António Sérgio faleceu em Lisboa, no Hospital da Cruz Vermelha, pelas 19h30 de 24 de Janeiro de 1969, acompanhado pelos meus pais e por mim, conforme a imprensa de então relatou.
Intitulei O espiritualismo de António Sérgio e a necessidade de investigação da obra sergiana a comunicação que apresentei na Fundação Calouste Gulbenkian por ocasião da inauguração das comemorações nacionais do centenário do seu nascimento (in Nova Renascença, Revista trimestral de Cultura, vol. V, Porto, Abril/Junho, Primavera 1985). Afirmei aí: "Ser útil à sociedade foi afinal o ponto de convergência da personalidade generosa, da inspiração cristã e do racionalismo ético, os três caracteres de António Sérgio que tentei apontar." Apresentei então alguns textos inéditos, das dezenas que publiquei na Universidade de Coimbra, Revista de História das Ideias, vols. 5 e 6, 1983 e 1984.
A Obra polifacetada deste Autor merece ser melhor analisada e valorizada porque tem grande actualidade e pioneirismo, por exemplo quanto às modernas ciências da Inteligência Emocional e Social, estudadas por Daniel Goleman, António Damásio e tantos outros cientistas.
A razão, a emoção e o sentimento sempre foram indissociáveis em António Sérgio. Relembre-se a sua biografia publicada na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, que dirigiu: "Conciliação universalista da imaginação com a razão", "Considerando-se... propedeuta da espiritualidade e timbrando de uma racionalidade que a muitos espíritos se afigura como índice de uma compleição adversa à imaginação e ao sentimento". Desde 1969 Sérgio tem sido apoucado por lhe ter sido atribuído o "mito da razão".
Como defendi na referida comunicação de 1983: "Apesar de no plano filosófico Sérgio mostrar já (em 1909) uma expressão avançada de racionalismo crítico, isso não correspondia, no aspecto humano, a uma atitude fria e não emotiva... No fundo, uma frase da mística Santa Catarina de Sena que honrou como lema da sua vida, e a qual constantemente repete, ilustra isso: "O intelecto nutre o afecto. Quem mais conhece mais ama; e mais amando mais gosta." Deputada do PS

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