Oligarcas russos Vão-se os dedos, ficam os iates

Os multimilionários que a transição económica pós-soviética deu ao mundo estão em apuros, com os rigores da crise global. Mas preferem estender a mão ao Kremlin a abdicar dos sinais exteriores de riqueza. Até podem ficar mais pobres, mas nunca serão pobres

a Na pujança económica da imparável Rússia de Vladimir Putin, a crescer a uma média de sete por cento na última década, a elite empresarial russa parecia estar a tomar o mundo de assalto. Os oligarcas compravam palacetes e villas nos mais caros pontos do globo, iates de fazer inveja aos príncipes árabes, clubes de futebol, posições de monta nas maiores empresas do mundo - além, claro, do controlo das principais indústrias no país natal. Nada estava fora do alcance deles. Nada era demasiado caro.E quando se trata de espalhar dinheiro, poucos o fazem com o espalhafato dos oligarcas russos. O banqueiro e coleccionador de arte Piotr Aven instalou na propriedade que possui no riquíssimo Surrey britânico um bunker nuclear. O industrial Alisher Usmanov não desistiu enquanto não se tornou no principal accionista do clube de futebol britânico Arsenal (30 por cento, desde Fevereiro) e é dono e senhor de uma mansão vitoriana, rodeada por cinco hectares de bosque, no norte de Londres, avaliada em 53 milhões de euros.
Notam os peritos do mercado imobiliário de luxo britânico que os mais ricos dos ricos da Rússia parecem ter-se desinteressado recentemente das majestosas mansões do Reino Unido. Não há registo de que aqueles - como Aven e Usmanov - que compraram caríssimas propriedades estejam agora vendedores dos imóveis. Não estão é a comprar mais. Alguns preferem alugar. Outros começam a virar os olhos para outros destinos, em direcção ao Sul de França ou à Sardenha.
E depois, naquela lista de russos que gastam dinheiro com soberbo aparato há, claro, Roman Abramovich, cujo iate Pelorus vale 220 milhões de euros; que comprou em 2003, por 170 milhões de euros, o clube de futebol britânico Chelsea, onde entretanto já investiu mais 600 milhões de euros; que se mimou com uma casa em Londres no valor de 31 milhões de euros; e que, ainda em Setembro passado, ofereceu à noiva Daria Zhukova uma galeria de arte, muito apropriadamente do tamanho de um campo de futebol, num dos imponentes edifícios de tijolo vermelho da era construtivista soviética, bem por perto do Estádio Olímpico de Moscovo.
Saber gastar dinheiro
Umas semanas mais tarde, apanhado no turbilhão da crise financeira global, Abramovich - 42 anos e uma fortuna avaliada, em Maio, em 23,5 mil milhões de dólares pela revista norte-americana Forbes - decidiu adiar o casamento, antes marcado para o final de 2008. "Não é altura para festas", foi a justificação avançada.
Mas do Pelorus - iate de 115 metros, vários pontos de aterragem de helicópteros e um sistema de defesa antimíssil para manter os piratas a milhas - ninguém o verá livrar-se. Provavelmente também não do Eclipse, embarcação de 160 metros, a mais recente aquisição para a sua frota privada, nem do Ecstasea, de 86 metros.
Os últimos meses foram ricos em notícias da ruína de Abramovich: a confirmação de que perdera quase 20 mil milhões de dólares na desvalorização bolsista das suas empresas, as estimativas de que não teria agora no banco mais do que 2,5 mil milhões, rumores de que teria de se decidir entre vender o Chelsea ou o Pelorus.
Mas os seus representantes já deixaram bem claro que o famoso self-made man russo, órfão com fortuna feita no caos russo da década de 1990, não está interessado em vender. E, para o provar, quando os rumores de supostas vendas dos seus bens "de estimação" mais se intensificaram, Abramovich chamou uma das suas bandas favoritas - os King of Leon (rock alternativo norte-americano) - para animar uma festa de Natal em Nova Iorque, com cachet a subir aos 450 mil dólares por uma hora de concerto. Mesmo quando se está a perder dinheiro é preciso mostrar que se continua a saber como gastar dinheiro.
"Abramovich começou do nada. E sabe fazer dinheiro em toda a espécie de situações. O Chelsea e os iates são parte da sua vida. Ele não vai desistir deles", garantia um analista de negócios há menos de uma semana ao tablóide britânico Mail on Sunday.
"Há algumas coisas que podemos ter como certas sobre os ricos: gostam de iates, jogam golfe e normalmente são bastante espertos no que toca às suas finanças", ironizava há um par de semanas o colunista britânico da edição on-line do Bloomberg Matthew Lynn, salientado que "um dos aspectos mais interessantes da crise financeira global é o de ter mostrado o quão incapazes os ricos têm sido a gerir o seu dinheiro".
Um dos principais enfoques de Lynn nesta linha de raciocínio é, claro, o dos oligarcas russos e aponta três razões para a agora gritante "incompetência com o dinheiro" destes homens: "Pedir dinheiro emprestado e usá-lo para comprar activos foi uma grande estratégia - fez muita gente rica -, mas as regras do jogo mudaram e no caminho para baixo essa audácia feriu com tanta força quanto ajudou no caminho para cima. Depois, os ricos gostam de riscos, está-lhes nos genes e são tão capazes de mudar isso como de mudar a cor dos olhos. E, finalmente, andámos a viver um período de grandes excessos, as coisas ficaram fora de controlo, e por mais rico que se fosse, havia sempre um outro tipo no iate ao lado que tinha ainda mais."
Numa entrevista em Dezembro ao The Wall Street Journal, o magnata dos alumínios Oleg Deripaska - o homem mais rico da Rússia e nono a nível mundial, com uma fortuna que a Forbes pôs nos 28,6 mil milhões de dólares - sublinhava que o milagre económico vivido pela Rússia na última década deve-se não aos colossais ganhos obtidos com as riquezas energéticas do país, mas sim ao dinheiro injectado na economia através das dívidas contraídas pela elite empresarial russa ao longo da última década. Sem o endividamento dos oligarcas aos bancos estrangeiros, não teria havido dinheiro para pôr a Rússia a produzir.
Estes multimilionários, que expandiram os seus impérios graças a volumosos empréstimos feitos a bancos fora da Rússia - para comprar posições privilegiadas nas principais indústrias do país no feroz período de OPA pós-soviético -, são os que ficaram mais expostos aos efeitos do colapso financeiro global, em efeito de bola de neve desde Setembro passado. As suas empresas sofreram quedas brutais nos mercados bolsistas (uma perda de 230 mil milhões de dólares entre os 25 russos mais ricos, por cálculo feito pelo Bloomberg) e as acções que deram como garantia daqueles empréstimos valem hoje menos do que os empréstimos.
Solução razoável
"Metade dos multimilionários russos pode cair da lista da Forbes [neste ano]", previu o director da edição russa da revista, Maxim Kashulinski, numa entrevista à agência noticiosa RIA Novosti. Deripaska, por exemplo, que recebeu o jornal financeiro norte-americano "com os olhos raiados de vermelho, do cansaço", perdeu em menos de um mês mais de metade da fortuna que amealhara.
Já começou a vender parte do seu império, como é o caso das acções que possuía na tentacular construtora alemã Hochtief e na colossal fabricante automóvel canadiana Magna International, e está em negociações para ceder a posição maioritária que mantém no Soiuz Bank. Os peritos calculam que, só no primeiro mês de crise global, terá perdido mais de mil milhões de dólares de activos para os credores mais à beira de um ataque de nervos.
Na entrevista ao Wall Street Journal, o oligarca, de 40 anos, dizia-se "confiante em que há sempre uma solução razoável", enquanto tentava salvar a gigante UC Rusal, maior empresa mundial de alumínios e a coroa da sua holding Bazovi Element. "A questão é que as perdas são muitos grandes", reconheceu, admitindo que as dívidas se cifram nos "milhares de milhões de dólares".
Deripaska, de resto, é só um da lista de oligarcas que têm de pagar, até ao final deste ano, dívidas no total conjunto de 160 mil milhões de dólares (quase cinco vezes a dívida externa de Portugal prevista para 2009) a bancos e financiadores estrangeiros; e entre aqueles que no último trimestre de 2008 tiveram de desembolsar 47,5 mil milhões de dólares àqueles mesmos credores - valores divulgados em Outubro pelo Banco Central da Rússia.
E só uma fonte de financiamento permanece suficientemente abastada para os salvar: o Estado, com as suas reservas em dinheiro e ouro de 516 mil milhões de dólares (a terceira maior do mundo); muito embora uma grossa fatia já tenha sido sugada pelo plano de resgate posto em marcha pelo Governo russo. "Em 2008 só há mesmo um oligarca", ironizava na BusinessWeek o chefe do departamento estratégico do banco de investimentos russo Uralsib, Chris Weafer.
Daquele resgate de 200 mil milhões de dólares, um quarto destinou-se em exclusivo a uma linha de crédito para os oligarcas - aqueles que aprazem ao Kremlin - fazerem face às hemorragias mais urgentes. E foram-lhes exigidos activos como garantia, o que, a médio prazo, abre a porta a uma vaga de vendas de acções, com um comprador em posição privilegiada: de novo, o Kremlin.
Sustentam os analistas que Vladimir Putin - ex-Presidente e agora primeiro-ministro, substituído no Kremlin pelo apreciado pupilo Dmitri Medvedev - é pouco favorável a uma ideologia de renacionalização e jamais permitiria uma ideologia datada entrar-lhe pela porta das traseiras. O mais provável é um cenário em que o Estado entre em campo para uma aquisição temporária das acções que os oligarcas tenham de vender agora para sobreviver à crise e depois volte a lançá-las no mercado.
Mas não irá, pelo menos directamente, pagar as contas de nenhum iate, nem as de clubes de futebol, tão pouco financiar estilos de vida que incluam mansões em Londres e estadias prolongadas nas mais luxuosas estâncias de esqui da Europa. O Kremlin tem, afinal, uma imagem a manter junto do eleitorado russo, largamente desagradado com a forma como uma pequena elite enriqueceu graças ao colapso financeiro da Rússia na década passada.

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