Seres humanos do Poço dos Negros, uni-vos!

Artistas de 12 países ocupam esta noite lojas e rua do Poço dos Negros

a A descer do Bairro Alto e a chegar a Santos, no final da Calçada do Combro e na zona Oeste de Lisboa, está a Rua do Poço dos Negros. Artéria desmotivada pela pressão comercial das grandes superfícies e pelo êxodo do centro das cidades, é hoje ocupada pelo Man Power - Entre Muitos Somos Mais que Um. Lojas, teatro, restaurantes e a própria rua são palco de uma acção de artistas de vários países que querem "celebrar o poder do homem e brincar com seriedade", diz Francisca Aires, do colectivo londrino Cosmicmegabrain, um dos participantes.Das 20h às 24h, a iniciativa pretende juntar o público e moradores aos artistas de vários países, entre os quais os portugueses da RE.AL, do bailarino e coreógrafo João Fiadeiro, ou a Companhia de Teatro Cão Solteiro, co-produtora do projecto e cuja sede funcionará como mapa orientador do Man Power, que decorre entre os números 15 e 150.
Os comissários do Man Power são os Cosmicmegabrain (Jesse Wade, Francesca Cavallo e a portuguesa Francisca Aires), que tem em Lisboa a segunda acção internacional - a primeira foi há dois meses, em Beirute. Estiveram no Líbano com o mote Spiritual Promisses from Lost Prophets, puseram um artista vestido de urso nas ruas e organizaram um concurso de breakdance para jogar com os conceitos de religião, política e espiritualidade.
Queriam intervir em Lisboa com uma das suas acções-tipo: quatro horas nocturnas de ocupação para passar uma mensagem, além de "mostrar artistas vanguardistas", como explica ao P2 Francisca Aires. Os temas tendem a ser "um pouco irónicos", prossegue. E, no caso do Poço dos Negros, residência da arquitecta e produtora do evento Ana Francisca Amaral, a ideia era reagir ao "sentimento de que a rua está cada vez mais abandonada". Está "a perder o charme que tinha". Foi essa a primeira sensação que tiveram depois dos primeiros contactos com os lojistas, proprietários das drogarias ou mercearias que verão esta noite as montras e interiores trabalhados por 40 artistas, portugueses e estrangeiros de 12 nacionalidades. O Poço dos Negros "está a perder lojas todos os dias", constatou Ana Francisca Amaral, tendo várias fechado durante o processo de dois meses de negociação com os comerciantes e moradores para montar o Man Power. Entre o Bairro Alto e Santos, a rua "tem sempre muito movimento", mas "fica um ponto de passagem", diz a produtora. Esta noite quer-se que "as pessoas vejam que podem passar a noite na rua".
Talhos, videoclubes, lojas vazias, restaurantes abandonados, cabeleireiros e até uma farmácia vão então mudar de cara. Miguel Boneville, Teatro Praga, Almando Tigrala ou Marc McGowan são alguns dos artistas que, através de performances, vídeo-instalações, ilustração ou choro (sim, choro) vão preencher o Poço dos Negros com a filosofia da Cosmicmegabrain na mira: "Unir os moradores e as comunidades artísticas de uma zona". Os artistas portugueses que participam na Man Power portuguesa vão em Janeiro a Londres para um segundo acto, ainda que num único espaço fechado, da mobilização orquestrada para esta noite.
Mas falou-se em choro e passa-se a explicar. No Poço dos Negros estará hoje Mark McGowan a chorar. O artista britânico é a árvore-de-Natal-humana-que-chora numa das performances do projecto. Vai vestir-se de árvore de Natal e chorar durante todo o projecto - e prolonga a sua performance até ao fim-de-semana, num total de 72 horas - para chamar a atenção para a solidão nas festas e para "passar a mensagem às pessoas de Lisboa e Portugal que têm a sorte de passar o Natal na companhia da sua família e amigos", diz o artista, que admite que vai "ser muito difícil chorar continuamente durante 72 horas vestido de árvore de Natal".

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