Cahora Bassa, o dínamo da economia moçambicana

Sozinha, representa um quarto
das exportações do país. O próximo desafio de um projecto em que Portugal conserva 15 por cento,
é aumentar a produção para estimular o desenvolvimento

a Moçambique ainda estava para ser um país independente quando Evaristo, 19 anos, entrou, em Março de 1975, para a empresa que explora a barragem de Cahora Bassa. Viveu décadas de impasse da vida do projecto, em muito ditadas pela guerra, e está agora a participar na nova fase de um dos maiores empreendimentos hidroeléctricos de África.Mais de 33 anos depois, Evaristo Simoco mantém-se ao serviço da empresa que desde 27 de Novembro de 2007, contra o pagamento dos valores acordados com Portugal (ver caixa), passou a ser controlada pelo Estado moçambicano. Ele e a filha Elsa, 23 anos, electricista, nascida e criada na vila do Songo, e, desde 2005, funcionária da Hidroeléctrica Cahora Bassa (HCB). A empresa entrou na segunda fase da sua vida e responde por cerca um quarto das exportações do país, estimadas para este ano em 2665 milhões de dólares. "Acima dos 20 a 25 por cento", confirmou o ministro da Energia, Salvador Namburete.
Cravada numa garganta do Zambeze, entre escarpas graníticas, Cahora Bassa - expressão nhúngue que pode ser traduzida por algo como "Acabou o trabalho", alusão ao lugar onde a navegabilidade deixava de ser possível - tem uma altura máxima de 164 metros acima da fundação e coroamento (topo) com 303 metros de comprimento.
Com uma capacidade de 2075 megawatts, a produção anual foi em 2007 próxima dos 16 mil gigawatts/hora. "Nas condições actuais não é possível muito mais", afirma o administrador executivo nomeado por Portugal, Fernando Marques da Costa, colaborador de Jorge Sampaio durante os seus anos como Presidente da República e, desde 2003, administrador executivo da hidroeléctrica onde ainda trabalham 22 portugueses, uma pequena parte dos cerca de 670 funcionários.
Não menos impressionante do que os dados sobre a infraestrutura é o que não se vê a olho nu de cima da barragem, mas se sabe - a albufeira, que se estende por 270 quilómetros, até à fronteira com a Zâmbia e o Zimbabwe, com uma capacidade de armazenamento máximo de 65 km3; as linhas de transporte de energia para a África do Sul que se prolongam por 1400 quilómetros - e o que é possível visitar por baixo - 2,5 quilómetros de túneis e galerias e as cavernas que acolhem os cinco geradores de 415 megawatts cada um instalados na margem sul.
Terceira maior barragem de África em capacidade - os seus 65 kms cúbicos deixam-na apenas atrás de Assuão e de Kariba - mas primeira no que diz respeito ao sistema eléctrico produtor - Cahora Bassa tem na sul-africana Eskom o seu principal cliente. A empresa estatal sul-africana absorve perto de 70 por cento da produção, a EDM de Moçambique e a Zeza, do Zimbabwe, são os outros destinos da energia por ordem de importância. Pontualmente, é vendida energia ao Bostswana e a South African Power Pool, uma "pool" regional.
Apesar das dificuldades que o país tem vindo a atravessar, e depois de no início do ano Cahora Bassa ter chegado a suspender o fornecimento de energia à Zeza, o cliente Zimbabwe "está a pagar" a energia que recebe. "É um cliente difícil com quem temos que negociar pagamentos, mas lá vamos fazendo a negociação e recuperando os nossos créditos", assegura Marques da Costa.

Central Norte na calhaCom a construção da central Norte da barragem, um projecto existente desde os anos 1960, e que o governo de Maputo e a administração da empresa voltaram a equacionar, a capacidade de produção poderá aumentar em 1240 megawatts. "Estamos a actualizar a informação, com vista ao lançamento de um concurso para o desenvolvimento da central Norte. É uma das prioridades, mas ainda não estamos na fase de lançamento", refere Salvador Namburete.
O aumento da produção é determinante para os projectos do governo de Maputo de construir uma infraestrutura que seria uma "espinha dorsal" da energia no país, permitindo a distribuição interna (ver entrevista na página seguinte). "Mais produção de energia é essencial ao desenvolvimento e isso aplica-se quer a Moçambique quer à região", sublinha o administrador português, que destaca também como positiva para o país a contribuição fiscal da empresa.
Com a passagem da barragem para controlo moçambicano, as anteriores isenções fiscais deram lugar a pagamentos de IPRC (o equivalente ao IRC português) de 32 por cento - embora haja a considerar bens dedutíveis a esse imposto - e a uma taxa de concessão de dez por cento sobre as receitas brutas, ainda não determinadas para 2008 mas que no ano passado ascenderam a 300 milhões de dólares.
Marques da Costa, único executivo não moçambicano, responsável pelas negociações em nome de Portugal desde 2004, não tem dúvidas de que não foi só Moçambique que beneficiou com a "reversão" da barragem. "Portugal ficou a ganhar em primeiro lugar por ter encerrado um dossier que não era apenas financeiro mais político, que fragilizava as relações político-diplomáticas. Ficou a ganhar por ter encontrado uma solução para um problema financeiro que tinha entre mãos: a dívida já era maior do que o activo. E ficou a ganhar porque os dois governos entenderam-se num compromisso de ficar juntos no sector da energia em Moçambique".

Luz chega a 13 por cento Com a sabotagem de mais de 1900 torres de linhas de transporte de energia, a guerra civil, que se prolongou de 1976 e 1992, tolheu a actividade da empresa. Entre 1984 e 1997 a produção foi praticamente nula. "A empresa sobreviveu através de subsídios dos dois governos. Não produzia", recorda Evaristo, uma vida inteira dedicada à mecânica do frio, agora supervisor na HCB. Nesse período, a produção chegou a ser residual e a limitar-se ao abastecimento do Songo, a vila que cresceu com a barragem. Os que nela trabalhavam tinham como principal tarefa manter os equipamentos a funcionar, na "esperança de que um dia isso havia de passar", recorda.
Quem trabalhava em Cahora Bassa tinha como principal tarefa manter os equipamentos a funcionar, na "esperança de que um dia isso havia de passar", recorda Evaristo. Só depois dos mais recentes trabalhos de reabilitação, iniciados em 2003 - tinham passado 30 anos sobre a construção e o pouco uso aliado à evolução tecnológica aconselhavam o reequipamento - a produção subiu para valores nunca antes atingidos. Agora o novo patamar de produção passa pela construção da central Norte.
"Cahora Bassa é nossa", sublinhavam as faixas que pontuaram os festejos que, na semana passada, marcaram no Songo a passagem do primeiro aniversário da mudança da barragem para mãos moçambicanas. "Agora a barragem já é nossa", diz Evaristo, com satisfação, mas sem esconder que esperava que a mudança trouxesse melhores condições aos trabalhadores. Ele e certamente muitos moçambicanos. A electricidade ainda só serve 13 por cento da população, mas o número, que pode chocar, é um progresso significativo nas palavras do ministro da Energia, quando realça que, em 2003, o benefício não chegava a mais de sete por cento da população.

O jornalista viajou a conviteda Hidroeléctrica Cahora Bassa
Marques da Costa,
administrador da HCB

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