Limites e soluções

Numa entrevista recente, um jornalista da Time perguntou a Obama sobre o Afeganistão. Obama respondeu e acrescentou algo sobre o Paquistão, algo mais ainda sobre a conflituosa história das relações entre o Paquistão e a Índia, e finalizou expondo algumas ideias sobre o mais perigoso impasse entre estes dois últimos países - Caxemira. Em cada um dos passos procedeu da mesma forma, reconhecendo primeiro as dificuldades inerentes e depois as oportunidades de resolução que identificava. Sugeriu, por exemplo, que os EUA dedicassem influência suficiente para ajudar a falar de Caxemira - talvez enviando Bill Clinton como emissário - porque a obtenção de um esboço de solução poderia ajudar a Índia a confirmar o seu estatuto de potência emergente e o Paquistão a concentrar-se na fronteira com o Afeganistão.Trata-se de uma cadeia de problemas bicudos, e nenhum fácil de abordar, quanto mais de resolver. Mas duvido que muitos professores de Relações Internacionais a conseguissem resumir de forma mais eficaz. Após os ataques a Bombaim, na semana passada, é bom saber que está na Casa Branca alguém que aprende rápido.
Mas agora vem a melhor parte: essa entrevista de Obama não foi dada após os ataques a Bombaim. Foi dada há mais de um mês, ainda antes das eleições americanas. O novo Presidente americano é alguém que sabe o suficiente sobre um conflito obscuro para entender que o mundo respirará de alívio se for possível diminuir a tensão entre duas potências nucleares - o Paquistão e a Índia - e ao mesmo tempo ajudar a primeira a lidar com o viveiro de terroristas que tem na sua fronteira com o Afeganistão.

Este episódio ajuda, creio eu, a responder aos oráculos da desilusão com Obama - de esquerda e de direita.A primeira resposta é: comparem e vejam do que nos safámos. Anos depois do 11 de Setembro, George W. Bush ainda não sabia que existiam sunitas e xiitas, muito menos qual era a diferença entre ambos. E poucos meses antes das eleições, John McCain acusava o Irão de apoiar a Al-Qaeda, ignorando que (desde logo por serem xiitas e sunitas, respectivamente) uns são inimigos mortais dos outros. Afinal de contas, eleger um intelectual não pode ser tão mau quanto isso.
A segunda resposta vai para aqueles que se surpreenderam com a nomeação de Hillary Clinton para chefe da diplomacia americana. Como vimos pela sugestão de usar Bill Clinton em Caxemira, estas ideias já andavam na cabeça de Obama há algum tempo, e fazem sentido - trata-se de elevar a fasquia da visibilidade e da responsabilidade para todos os actores em causa.
Até aqui tudo bem. Agora vamos ao lado chato. Logo quando deu essa entrevista houve reacções de políticos indianos que não gostaram de ver misturado o problema de Caxemira com o do Afeganistão, e que não têm qualquer vontade de ver políticos famosos interferirem no que consideram ser um assunto interno.
Os problemas bicudos não se resolvem com uma boa ideia. Mas depois de reconhecer os nossos limites, é preciso notar como estes medonhos massacres em Bombaim assinalam os limites de todas as abordagens anteriores. Os fundamentalistas muçulmanos, hindus ou neoconservadores continuarão a sonhar com a força militar como forma de resolver conflitos. Mas como, quando a Índia tem quinze por cento de muçulmanos e o Paquistão tem armas nucleares? O resto do mundo entenderá que a solução vai ter de passar por reconstruir confiança com o mundo muçulmano quando possível, para isolar aqueles com quem reconstruir confiança não é de todo possível.
Historiador (ruitavares.net).

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