Oposição acusa Bouteflika de querer ficar no poder para o resto da vida

Chefe de Estado defende que os argelinos têm o direito de "renovar a confiança na soberania". Críticos dizem que a sua proposta só vai aumentar o poder "do seu clã"

a A oposição pediu um referendo, mas o Presidente da Argélia, Abdelaziz Bouteflika, considerou que as mudanças propostas não alteram o essencial da Constituição. Hoje o Parlamento argelino vai votar uma proposta que permitirá a Bouteflika candidatar-se ao terceiro mandato nas eleições previstas para Abril. A aprovação da alteração constitucional parece garantida. O descontentamento da oposição também.O que está em causa é o artigo 74 da Constituição da Argélia, que hoje limita o número de mandatos que um presidente pode cumprir: dois, de cinco anos cada. Bouteflika é Presidente da Argélia desde 1999 e, por isso, já não poderia recandidatar-se. Na semana passada a presidência anunciou a convocação do Parlamento "para que seja apresentado e votado um projecto de revisão constitucional".
Contas feitas, a proposta de Bouteflika tem mais do que probabilidade de ganhar. A coligação que apoia o Presidente é composta pela Frente de Libertação Nacional (que obteve 136 deputados nas eleições de Maio de 2007), a União Nacional Democrática liderada pelo primeiro-ministro Ahmed Ouyahia (liberal, 61 deputados) e o Movimento para a Sociedade e a Paz (islâmico, 52 deputados). São, pelo menos, 249 votos favoráveis num Parlamento de 389 deputados, ao que se junta também uma maioria entre os 144 membros no Senado.
Se a mudança for aprovada, como se prevê, as palavras "só uma vez" deixarão de completar a frase "O Presidente pode ser reeleito". Bouteflika justificou a alteração ao defender que "irá permitir que as pessoas exerçam o direito legítimo a escolher os governantes e a renovar a confiança na soberania", mas a oposição contesta o argumento e defende que a mudança deveria ser referendada e que só irá aumentar o poder "do Presidente e do seu clã", sublinhou a BBC.

"Como outros potentados"Uma das principais formações da oposição, o partido laico União para a Cultura e Democracia (RCD), rejeitou a alteração constitucional e o seu líder, Said Sadi, deu uma conferência de imprensa a anunciar que votaria contra. "As emendas propostas põem em causa o equilíbrio formal dos poderes e consagram a personalização do regime", considerou, para depois dizer que o partido só participará nas próximas eleições com forte presença de observadores internacionais.
O RCD acusou Bouteflika de querer manter-se no cargo para o resto da vida e vários analistas sublinham o facto de não ter submetido a proposta à consulta popular, o que afectará a sua legitimidade perante uma população que enfrenta problemas de desemprego e acesso a habitação, sublinhou a Reuters. Um antigo general que chegou a chefiar a Marinha argelina, Rachid Benyellès, escreveu esta semana no Le Monde que "como muitos outros potentados no mundo, Bouteflika sempre quis ser presidente para toda a vida, e a única questão para ele era escolher o momento oportuno para anunciar a mudança da Constituição". Depois acrescenta: "Infelizmente, a democracia e a alternância não estão no léxico da Argélia de Bouteflika."
Membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, a Argélia é um dos principais fornecedores de energia à Europa (está em 15.º lugar na lista dos fornecedores de Portugal devido ao petróleo e gás natural).
Os recursos naturais foram descobertos nos anos 50, antes da guerra pela independência da França que terminou em 1962 e na qual morreram mais de um milhão de argelinos. O início dos anos 90 foi marcado pelos confrontos entre Exército e islamistas, uma guerra civil que terminou em 1992 com 150 mil mortos.
Hoje o país tem no combate aos atentados terroristas um dos principais desafios. É lá que estará instalada a Al-Qaeda no Magrebe Islâmico, e foi lá que se verificaram vários atentados, como os de Agosto, que causaram 56 mortos e 76 feridos.

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