Projecto de luxo para a Quinta da Marinha arranca sem autorização camarária

Na autarquia, o projecto passou de besta a bestial, mas ainda não há decisão final. Apesar disso, as obras no terreno já começaram. A Câmara de Cascais confirma que são ilegais

a As máquinas chegaram sem aviso prévio ao lote da Quinta da Marinha, em Cascais, onde o rei D. Carlos mandou construir um pavilhão de caça e para o qual se encontra projectado um novo hotel com 144 quartos. Ontem, sem que a câmara tenha aprovado o projecto ou autorizado as obras, os bulldozers estavam já a demolir os edifícios em redor do pavilhão real, segundo Pedro Silva Lopes, do Grupo Ecológico de Cascais. Num dos locais de Portugal com mais riqueza acumulada por metro quadrado, situada em áreas de protecção do Parque Natural de Sintra-Cascais, as obras clandestinas estão em curso há quase um mês. Sem que fossem afixados quaisquer anúncios sobre a operação urbanística prevista para a zona, foram marcados pinheiros-mansos para abate (12 irão abaixo por causa da futura unidade), erguidos tapumes de chapa junto aos courts de ténis, cujo piso foi entretanto levantado. Uma "situação de manifesta ilegalidade", acusou Silva Lopes, num requerimento que, em nome do Grupo Ecológico de Cascais, entregou na câmara no dia 17, onde solicitava o embargo dos trabalhos.
Na sequência desta exposição, a câmara enviou os fiscais ao local, que concluíram pela "veracidade parcial da denúncia", adiantou ao PÚBLICO o vice-presidente da autarquia, Carlos Carreiras. Estes "factos foram participados ao departamento de Polícia Municipal para efeitos de instauração dos processos de contra-ordenação respectivos", especificou.

"É uma farsa"Entretanto, a mudança da zona continua a ser consumada. "A Câmara de Cascais não está a fazer nada. É uma farsa", denunciou Silva Lopes, que ontem apresentou queixa junto do Ministério Público.
Para além de muitas novas vivendas, a Quinta da Marinha conta, entre outros equipamentos, com dois campos de golfes, 44 villas turísticas, um aparthotel com 192 apartamentos e um hotel com 198 quartos, que se situa a escassas centenas de metros da futura unidade. A data de inauguração está já a ser anunciada para 2010 pelo grupo Onyria, propriedade de José Pinto Coelho. Contactado segunda-feira, o empresário comunicou ontem que só estará disponível para esclarecimentos em meados da próxima semana.
O processo entrou na autarquia em 14 de Maio passado: quatro pisos, dos quais dois em caves, 144 camas, cerca de 13.500 metros quadrados de área total de construção e uma cércea de 6,65 metros. Estes dados, que constam da informação entregue pelo promotor, chocam com a primeira avaliação feita pela câmara. "O projecto exibe uma volumetria fora da escala da sua envolvente", escreveu o arquitecto Eduardo Amaro, em parecer de 3 de Junho.
O técnico acrescentava que alguns edifícios sobem a 10,50 metros, atingindo-se, num deles, por via de "uma cobertura quase vertical", uma "altura total de construção de quase 15 metros". O máximo admitido para o local, pelo plano de ordenamento do Parque Natural de Sintra-Cascais, são dois pisos acima do solo e uma cércea máxima de 6,5 metros.
Eduardo Amaro propôs o indeferimento, mas um mês depois a autarquia corrigia a apreciação. Entende-
-se, "para o caso presente, que o edifício é na realidade constituído por dois pisos acima da cota da soleira", testemunhou outro técnico, João Dantas, numa informação onde se destacava, sobre a "linguagem arquitectónica", a "qualidade do desenho e material envolvidos". "Gera uma solução de cariz singular em harmonia com a paisagem", frisou também Carlos Carreiras.
Segundo o vice-presidente, os pareceres técnicos divergiram porque "tiveram subjacentes peças gráficas distintas". As reservas iniciais "resultaram da evidência de algumas imprecisões/omissões de natureza gráfica e de carácter projectual, ultrapassadas com os novos elementos apresentados em substituição", acrescentou. Estes têm a ver, nomeadamente, com a representação do perfil natural do terreno. A sua falta fora apontada por Eduardo Amaro, que acrescentava, no entanto: "Nos casos em que o perfil é representado propõe-se valores acima dos máximos admissíveis, resultando uma volumetria com três pisos em alguns edifícios". Carreiras garante que já não será assim.

Sugerir correcção