O "chegódromo" de Montalegre acolheu lutas de bois, tradição que é "como ir ao futebol"

Decorre em Trás-os-Montes um Congresso Mundial de Combate de Animais; os investigadores estrangeiros viram ontem uma "chega" de bois de raça barrosã

A O público vai afluindo ao "chegódromo" municipal, onde habitualmente se realizam tradicionais chegas de bois barrosãos - lutas entre dois bovinos machos. O recinto circular localiza-se nas faldas da serra do Larouco, já à saída de Montalegre, na estrada para Braga. À entrada, numa placa em bronze, está inscrito um texto de Miguel Torga, de 1970, no qual o escritor relata uma viagem, debaixo de uma tremenda trovoada, para assistir a uma chega de bois.Ao contrário da experiência de Torga, o sol queima e seca as gargantas. Parece Verão! Jaime Ribeiro, residente local, homem na casa dos 40 anos de idade, é proprietário do Vermelho, boi da raça barrosã, com seis anos de idade.
Parece apoderar-se dele a ansiedade própria dos atletas antes de entrarem em competição. "Qualquer marca [de cerveja] me servia! Estou cá c'uma destas sedes! Pode perder, mas turrar vai turrar", diz do seu animal. "O outro é muito gancho", acrescenta, referindo-se aos chifres apertados do opositor do Vermelho, que estava para chegar vindo da povoação vizinha de Salto.
Logo a seguir os animais olham-
-se nos olhos e investem. Durante o combate que dura poucos minutos, ouve-se o ruído seco e potente dos cornos dos bois encaixados. Os donos incentivam-nos. "Turra, turra, marra, marra!" O boi que veio de Salto foge. Jaime atira o cajado ao ar em sinal de vitória do seu Vermelho.
Os espectadores, duas centenas, são em maioria homens, alguns ainda jovens. O evento de ontem teve algumas particularidades. Além dos bois, houve lutas entre carneiros (um de Meixide e outro de Peirezes) e ainda de galos (três de Montalegre e um de Cabril) - embora as lutas entre galináceos não tenham tradição por estas bandas. Sangue, praticamente não se viu.
As lutas entre bovinos, essas, já registam alguma tradição na vivência das gentes do Barroso. "É uma maneira de tentar rentabilizar a criação de animais de raças autóctones", diz António Morais, proprietário e presidente da Associação Etnográfica do Boi do Povo.
"Quando um animal vence uma luta, passa a pertencer à "primeira divisão". As participações de cada animal numa chega podem valer ao dono entre 350 e 750 euros. As transacções comerciais de animais de luta chegam a atingir os 7500 euros, conforme o "currículo" do boi.
O padre Fontes afirma "que as 'chegas' não são lutas": "Não há morte. Elas servem para juntar o povo. É co-
mo ir ao futebol. São autênticos encontros entre amigos, pessoas de diversas aldeias e até de distantes locais que se juntam para comungar desta paixão".
As lutas de ontem foram organizadas para possibilitar a antropólogos e investigadores, franceses, italianos, norte-americanos e portugueses, que desde sexta-feira e até hoje estão a participar no Congresso Mundial de Combate de Animais, conhecer ao vivo a paixão com que as populações vivem estes encontros.
O congresso é organizado pela CRIA, em colaboração com o IDEMEC (Institut D'Ethnologie Méditerranéenne, de Aix-en-Provence), e pelo Ecomuseu de Barroso.
As transacções de animais
de luta podem chegar a
atingir os 7500 euros, dependendo do "currículo" do boi

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