Rega do Mira desperdiça dois milhões de litros de água por hora

Sistema foi instalado no final dos anos 60 e ainda não foi encontrada alternativa para o caudal que é lançado no mar sem proveito

a Nos dois terminais de descarga do perímetro de rega do Mira, em Vila Nova de Milfontes (Odemira) e Rogil (Aljezur) são desperdiçados, por hora, segundo a informação prestada por Manuel Amaro, dirigente da Associação de Beneficiários do Mira, mais de dois milhões de litros de água, volume que os agricultores da região também garantem que pode atingir aquele valor.Manuel Amaro argumenta que não há solução viável para o problema e explica porquê. Assegurar o fornecimento das bocas de rega dos 2500 agricultores integrados naquela associação significa ter de manter "quase 800 quilómetros de infra-estruturas [condutas de rega] com água", frisando que não é possível impor a todos os agricultores que reguem à mesma hora, a única forma que permitiria libertar o volume de água estritamente necessário para a irrigação das culturas.
A complicar a situação está o facto da albufeira de Santa Clara-a-Velha --que fornece água aos 12 mil hectares de solos arenosos, com apenas cinco a dez por cento de argila, classificados de textura ligeira -, se localizar a 40 quilómetros do primeiro destino onde a água leva 15 a 20 horas a chegar. "Depois de abertas as torneiras não podemos voltar atrás. Temos que manter volumes significativos", justifica o dirigente daquela associação de regantes.

Lei da gravidadeA Barragem de Santa Clara-a-Velha, inaugurada em 1968, sustenta um modelo de regadio baseado na lei da gravidade. Como a água colocada no sistema de rega não pode ser controlada de forma mecânica ou electrónica, a que sobra corre para o ponto mais baixo e a solução passa por lançá-la ao mar sem qualquer proveito, como actualmente acontece. Cerca de 40 mil hectares de regadio que se dispersam por todo o Alentejo ainda são baseados na rede de canais a céu aberto idênticos aos que transportam a água no regadio do Mira.
O dirigente da associação de regantes do Mira lembra que no Plano de Rega do Alentejo idealizado nos anos 50 do século passado, "optou--se por fazer obras baratas em detrimento do consumo de água", um critério que deixou de prevalecer numa época em que os recursos hídricos são cada vez mais escassos. Os espanhóis fizeram a reformulação do seu sistema de rega gravítico no princípio dos anos 90.
Manuel Amaro considerou ainda que a solução poderia passar pelo aproveitamento da água libertada para o mar nos pontos de descarga, sugerindo que uma parte "sairia como caudal ecológico e a restante seria rebombeada para utilizações diversas".

Escorrências de regaNo perímetro de rega do Mira, o desperdício de água resultante das escorrências que derivam das explorações hortofrutícolas vem juntar--se às perdas registadas nos pontos de descarga e devido a rupturas nos canais de transporte de água.
Os caudais produzidos na sequência da rega, sobretudo nas culturas intensivas de hortofrutícolas, alimentam todo o ano as pequenas linhas de água que correm falésia abaixo em direcção ao mar no troço da costa entre o cabo Sardão e Azenhas do Mar.
Didier Merchier, administrador da Frupor, uma das empresas que cultivam hortofrutícolas no regadio do Mira, em Brejão, defende a construção de pequenas barragens para tentar "reter toda a água que escoa das explorações agrícolas para ser de novo utilizada".
Tanto o Ministério da Agricultura como a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo não responderam às questões que lhe foram colocadas pelo PÚBLICO sobre as elevadas perdas de água no perímetro de rega
do Mira.
a Dos 12 mil hectares de solos aráveis que integram o perímetro de rega do Mira, as áreas inscritas para rega não ultrapassam em média os oito mil hectares. As diversas culturas de hortícolas ali praticadas consomem entre 35 e 40 milhões de metros cúbicos de água, que em parte acaba por formar caudal nas pequenas ribeiras que drenam para o mar.
As culturas de relva (12.850 m3/hectares); milho (4000 m3/hectares); forragens (4800 m3/hectares) e batata (6000 m3/hectares) são as que consomem maior volume de água. Os sistemas de rega através de pivot (50 equipamentos) e canhão (160 equipamentos) são os mais utilizados na irrigação daquelas culturas e os que mais água desperdiçam. O sistema gota a gota só é usado para irrigar cerca de 50 hectares, enquanto os pivots regam 1600 hectares e os canhões cerca de 1500 hectares.
Foi aprovado no início de 2007 pelos ministérios da Agricultura e do Ambiente, o Programa Sectorial do Mira que estabelece critérios rigorosos no consumo, mas a legislação que o suporta ainda está por regulamentar.
Para além do enorme volume de água desperdiçado para a rega, os sistemas gravíticos de transporte para irrigação estão ainda condicionados por elevados débitos em perdas de água. Ao longo dos quase 800 quilómetros de canais que alimentam os 12 mil hectares do perímetro de rega do rio Mira, as perdas ascendem a 55 por cento do volume da água bombeada a partir da albufeira de Santa Clara-a-Velha.

Sugerir correcção