Eles são bons e foram para a rua mostrar em quê ou perguntar a quem ainda não sabe

"Quer saber no que é que eu sou bom?" faz parte da campanha da equipa paralímpica para Pequim. Os números são esmagadores: conquistaram 81 medalhas em edições anteriores

a Franquelim não tem dúvidas. "As palmas só aparecem no aeroporto quando os atletas regressam com as medalhas", diz este transeunte, de 61 anos, sensibilizado com a acção provocatória dos atletas paralímpicos portugueses. Ele e tantas outras pessoas foram surpreendidas na passada quarta-feira no pátio junto à Gare do Oriente, no Parque das Nações, em Lisboa. A rotina sai-do-comboio-atravessa-a-rua entra-no-metro-corre-para-o-emprego viu-se subitamente interrompida. Tal e qual como a vida normal de muitos atletas paralímpicos.
Bento Amaral é um desses exemplos. Casado e com dois filhos, este portuense viu a sua vida mudar brutalmente aos 25 anos, quando foi projectado por uma onda para o fundo: bateu com a cabeça na areia e partiu a quinta vértebra. O acidente deixou-o tetraplégico, mas não o afastou do mar. Hoje, este enólogo e professor universitário é, aos 39 anos, atleta paralímpico na modalidade de
vela adaptada e é um dos 33 atletas portugueses qualificados para disputar os Jogos Paralímpicos
de Pequim.
A tenda estava montada no terreiro da gare e tudo estava pronto para as ruas se encontrarem, de repente, invadidas com cartazes. Alguns dos atletas paralímpicos que vão representar Portugal investiram no "ataque" e nem mesmo o intenso sol das três da tarde os afastou.
Carlos Lopes, invisual multimedalhado no atletismo, Cristina Gonçalves (boccia) ou Simone Fragoso (natação) foram dos mais interventivos - "Quer saber no que é que eu sou bom?", diziam os cartazes dos "super-atletas". E estendiam a mão com os panfletos às pessoas que se lhes atravessavam à frente. O primeiro impacto teria réplicas. Ninguém ficou indiferente.
A música de fundo que saía da tenda é de Luís Represas, que criou o hino desta comitiva. É a oitava vez que Portugal se faz representar nuns Jogos Paralímpicos. "Sabemos tudo o que nós somos capazes/Queremos fazer mais do que o melhor/Somos o mastro da bandeira dos audazes", conta-nos a letra. Eles, os atletas, contam a quem quer ouvir as suas histórias. Ou então interpelam.
É também nisto que eles são bons, a vir para a rua questionar quem passa - e quem passa na maioria das vezes nem sabe o que são os Jogos Paralímpicos. "Sou muito sincero: só quando passa na televisão é que vejo. Se não passa, não sei", confessa Nuno Afonso, de 23 anos, parado a beber as palavras de Cristina Gonçalves.
Cristina sofre de paralisia cerebral. Tem as muletas enfeitadas com cromos de atletas e actores de telenovelas. A sua força tem trazido medalhas em boccia. E nem Simão, com alguma vergonha típica dos nove anos de idade, resistiu a pedir um autógrafo.
Leila Marques nasceu com uma malformação congénita, supostamente devido a uma aderência que se formou em torno do braço direito e se fixou na placenta. Com a falta de oxigenação, as células morreram. "Talvez se não tivesse nascido com uma deficiência ter-me-ia acomodado mais facilmente à vida porque tudo seria mais fácil para mim. Assim sendo, trabalhei muito mais para ter aquilo que queria", conta a recordista mundial dos 100m bruços e medalha de bronze nos Mundiais de 2006.
Nuno Alves, Presidente da Associação de Atletas Portadores de Deficiência (AAPD), prefere chamar a atenção para os três mil praticantes de desporto adaptado do conjunto de um milhão de pessoas portadoras de deficiência em Portugal: "Queremos passar a todos a nossa experiência de vida e sensibilizar a sociedade para o Movimento Paralímpico e o desporto adaptado. Acreditamos que esta campanha faça gerar uma onda de energia positiva que mobilize as pessoas para a necessidade de inclusão dos deficientes na sociedade".
A campanha, liderada pela Galp Energia com o nome Testemunhos de Vida, contou com caras conhecidas como Fernanda Freitas, Anabela Teixeira, Aurora Cunha e Gentil Martins. "São estas iniciativas que ajudam a criar uma cultura de inclusão das pessoas portadoras de deficiência na sociedade portuguesa", conta Humberto Santos, presidente da Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes.
Esta iniciativa está assente em plataformas de comunicação e pode ser visitada no blogue enistoquesomosbons.blogspot.com, bem como 15 vídeos do YouTube com relatos dos desportistas na primeira pessoa.

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