Foi morta a iraquiana que denunciou o assassínio da filha pelo marido e pelos filhos

Os crimes de honra estão a aumentar no Sul do Iraque. Leila Hussein viu a filha ser morta quando o pai soube que tinha conversado com um soldado britânico

a Rand Hussein tinha 17 anos. Em Março foi estrangulada, pontapeada e esfaqueada até à morte pelo seu pai, Abdel-Qader Ali, de 46 anos, ajudado pelos filhos, Hasser, 23 anos, e Haydar, 21. Leila Hussein, a mãe de Rand, continuou em casa durante du-as semanas. Depois não suportou mais: deixou o marido e contou ao semanário britânico The Observer o horror da morte da filha. Em Maio, Leila foi assassinada a tiro quando se preparava para deixar o Iraque. O jornal investigou este segundo crime e contou ontem os últimos capítulos da história de Rand e Leila.
Leila viu o marido e os dois filhos assassinarem Rand no dia em que Ab-
del-Qader descobriu que a filha se tinha tornado próxima de um jovem militar britânico, Paul, de 22 anos.
Rand e Paul conheceram-se quando a universitária ajudava famílias deslocadas pela violência em Bassorá, a capital do Sul onde vivia e que é desde a invasão de 2003 a base de operações dos britânicos no Iraque. Paul distribuía água às mesmas famílias. Os dois nunca fizeram mais do que conversar. Rand contou à amiga Zeinab que gostava de Paul. "Rand morreu virgem", disse Zeinab ao Observer.
Abdel-Qader, funcionário do Governo, admite ter morto a filha e chegou a ser detido. Diz que os agentes policiais lhe deram os parabéns: "Eles são homens e sabem o que é a honra". "Não tenho filho agora e prefiro dizer que nunca tive. A rapariga humilhou-me diante da minha família e dos meus amigos. Ao falar com um soldado es-
trangeiro, ela perdeu o que é mais precioso para qualquer mulher."
Depois da morte da filha, Leila co-
meçou por fugir para casa de um pri-
mo onde "todos os dias recebia men-
sagens à porta a dizer que era uma prostituta e merecia a mesma morte de Rand". "Ela foi morta por animais. Todas as noites quando me deito lembro-me da cara de Rand a pedir ajuda enquanto o pai e os irmãos acabavam com a sua vida", descreveu ao Observer.
Mulheres perseguidas
A família Hussein é xiita. Desde a queda de Saddam Hussein que o poder e o fanatismo das milícias xiitas têm aumentado no Sul, multiplicando-se histórias de mulheres perseguidas pe-
lo que vestem ou de comerciantes mortos por vender álcool. A publicidade e os media são censurados. E as mulheres que quiserem deixar os maridos quase não têm saídas. Leila encontrou uma pequena organização que defende os direitos das mulheres e que milita contra crimes de honra.
Coube a Mariam, que viu o seu marido ser morto por recusar entrar para uma milícia, receber Leila em sua casa. Leila deveria partir para a Jordânia a 17 de Maio. Nessa manhã, Mariam acordou e Leila já tinha arrumado a casa, preparado o pequeno-almoço e feito um bolo de agradecimento. Mariam, Leila, e uma segunda mulher da mesma organização saíram juntas da casa para levar Leila até um táxi. Três homens dispararam de dentro de um carro. Leila foi atingida três vezes e morreu. Mariam foi baleada no braço.
Interrogada pelo Observer, a polícia de Bassorá fala de um assassínio sectário e defende que o alvo era a organização de Mariam e não Leila, cujo ex-marido estava de visita a Nassiriyah com os filhos nesse dia. Dois activistas da associação já foram mortos, mas Mariam acredita que Leila era o alvo. "Os disparos concentraram-se em Leila, não em nós", recorda.
Mariam diz que agora todos os mem-
bros da sua organização querem sair do país. Ela já não está em casa, mas é lá que continuam a chegar as ameaças: "Morte aos traidores do islão que não merecem o perdão de Deus. Falar menos vai fazer-te viver mais", lia-se num papel que um amigo encontrou à sua porta no dia em que falou ao jornal britânico. S.L.

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