Necrópole da Idade do Ferro aberta ao público 37 anos depois da sua descoberta

Em 11 sepulturas descobertas foram recuperados contas de colar em ouro, prata, âmbar e vidro negro, um brinco em cornalina, adornos, lanças e punhais

a Na estrada que liga a aldeia de S. Martinho das Amoreiras e o lugar de Corte Malhão, ao quilómetro 9, numa pequena elevação de terreno, mesmo junto à estrada, abriu ontem ao público a necrópole do Monte do Pardieiro, no concelho de Odemira, cujos primeiros vestígios foram descobertos em 1971. A construção deste espaço funerário terá começado "provavelmente no final do século VII a.C. ou inícios do VI a.C, durante a 1.ª Idade do Ferro," com instalação de um grande túmulo rectangular com altura original de cerca de meio metro de alçado. Cobria uma grande fossa escavada em mais de meio metro de profundidade na rocha, "que se encontrou vazia, provavelmente devido a um antigo saque", explica o arqueólogo Jorge Vilhena, responsável pelos trabalhos arqueológicos de restauro e de valorização deste achado arqueológico. A necrópole do Pardieiro foi escavada, pela primeira vez, por Caetano de Mello Beirão e Mário Varela Gomes, entre 1989 e 1990, que a definiram como uma das mais importantes da primeira Idade do Ferro, devido ao seu bom estado de conservação, à sua arquitectura e aos objectos que foi possível recuperar num espaço onde algumas sepulturas que a compõem foram vandalizadas ao longo dos séculos.
O arqueólogo Jorge Vilhena vislumbra na necrópole do Pardieiro um espaço de investigação que possibilita "um estudo excepcional da sociedade que a utilizou há 2500 anos" e, ao mesmo tempo, datar a "escrita do Sudoeste". Com efeito, em três dos 11 túmulos identificados, as lajes que cobriam as sepulturas "estavam epigrafadas com Escrita do Sudoeste" e em duas delas ainda estão patentes representações de pegadas humanas, pormenores que levam o arqueólogo a deixar um interrogação: "Seria o Pardieiro uma necrópole de reis?"
História de reis
Pensa-se que os desenhos de pés, que são uma tradição das necrópoles da Idade do Bronze na região alentejana, "podem ter sido uma alusão à caminhada para a morte" prossegue Jorge Vilhena, acentuando que, em Portugal e noutros países da Europa, lendas populares afirmam que "desenhos de pés em rochas foram deixados pela passagem de santos que fugiam dos romanos ou dos mouros". A este propósito, as antigas tradições na Irlanda fazem referência ao mesmo tipo de desenhos, que seriam feitos para "os antigos reis colocarem os pés quando eram aclamados", associa Jorge Vilhena.
A necrópole do Pardieiro é mais um testemunho de uma manifestação associada ao culto da morte típica do Sul do país e que se estende através de numerosos vestígios que abrangem as regiões do Baixo Alentejo, o Algarve e as regiões espanholas de Andaluzia e Extremadura.
A descoberta dos primeiros vestígios da necrópole do Pardieiro, aconteceu acidentalmente, há 37 anos, com o aparecimento de uma lápide epigrafada com a Escrita do Sudoeste (considerada pelos investigadores a mais antiga escrita da Península Ibérica), que fora deslocada pelo arado de uma charrua, na sequência das actividades agrícolas, e que posteriormente ficou depositada na Associação Cultural de Garvão, em Ourique. Só 20 anos mais tarde é que os arqueólogos Caetano Beirão e Varela Gomes identificaram na lápide a existência da epigrafia da Escrita do Sudoeste.
Teresa Beirão, filha de Caetano Beirão, que há 17 anos ajudou nas escavações no Monte do Pardieiro, explicou ao PÚBLICO que " o meu pai chegou a admitir que poderá existir nas proximidades um povoado" associado aos construtores da necrópole, mas, até ao momento, ainda ninguém o conseguiu localizar.
Em 2001, após mais de uma década sem que ocorresse qualquer tratabalho de investigação, foram retomados os trabalhos de recuperação da necrópole, com a desmatação dos arbustos que cobriam as sepulturas, a consolidação das pedras dos túmulos e o preenchimento das covas com material especial. Em 2008 foram criadas as condições para a recepção aos visitantes e retomadas as acções de limpeza do local, substituição de vedação, sinalização e recinto interno, uma tarefa levada a cabo pela Câmara de Odemira.
O espólio da necrópole será exposto de forma permanente, em Odemira, quando existir no concelho um museu apto à sua boa conservação.

Sugerir correcção