Torne-se perito

A fraude

a Liguei para o número em Londres e fiquei decepcionada. Ninguém atendeu e não era sequer a voz de Nick Leeson - que durante anos teve o título de "autor da maior fraude bancária da história moderna" - que aparecia na mensagem. Eu queria perguntar-lhe se é verdade que ele está a cobrar aos jornalistas (e já agora quanto) para comentar a fraude de Jérôme Kerviel, o homem que há três meses o destronou. Mas não tive sorte.A história de Nick e Jérôme continua a ser fascinante, eu tinha imensas perguntas para lhe fazer. Com 13 anos de intervalo, os dois usaram técnicas parecidas: faziam transacções em nome de clientes inventados para contas fictícias que fechavam sempre que alguém fazia perguntas. Normalmente, e isso ajudou-os, não havia perguntas.
Em Singapura, Nick Leeson, corretor do Barings, o banco mais antigo da Grã-Bretanha, abriu uma conta fantasma que registou como 88888 - número da sorte para os chineses. Entre 1992 e 1995, numa escalada imparável, perdeu 875 milhões de euros em investimentos no mercado de futuros - dinheiro do banco. O erro fatal foi quando apostou na bolsa de Tóquio sem poder adivinhar que, na manhã seguinte, um terramoto iria destruir Kobe e as bolsas asiáticas. Dias depois, escreveu I"m sorry num papel e fugiu. Era uma quinta-feira, 23 de Fevereiro de 1995. No domingo, o Barings, fundado em 1762 e onde a rainha Isabel tinha a conta privada, declarou falência e fechou, para sempre.
A fraude de Jérôme Kerviel não teve calor tropical. Ele estava ali mesmo, em Paris, no Société Générale, dos mais prestigiados bancos de França, debaixo do nariz de todos. Teve formação em gestão de controlo de risco, o que poderá ter sido uma inspiração. Alguém dizia no New York Times que um técnico de fechaduras tem mais facilidade em assaltar uma casa do que alguém que nunca montou uma fechadura na vida. Entre 2006 e o início deste ano perdeu 5 mil milhões de euros sem ninguém dar por isso.
Nick e Jérôme, rogue traders super stars, fizeram duas das mais espectaculares fraudes bancárias da história, com uma particularidade: foram fraudes solitárias (no caso francês por provar). Têm muito em comum, os dois homens. Em Londres e em Paris, ninguém lhes dava atenção. Um estava longe e o outro estava perto mas era demasiado mediano para impressionar. Eram jovens corretores, movimentavam milhões e tinham patrões com pedigree. Eram filhos de cabeleireiras e operários, ambos começaram por baixo mas a vida corria-lhes bem. Tudo normal.
E, um dia, começaram a roubar.
Nick esteve preso seis anos, Jérôme 37 dias. Mas a diferença fundamental entre os dois é outra, cujas nuances ainda estou a digerir: o sentido de humor. Jérôme decidiu processar o banco por o ter despedido sem justa causa. Já Nick Leeson publicou dois livros (um sobre a fraude, o outro sobre como enfrentar o stress), inspirou o filme Rogue Trade, com Ewan McGregor, e tem um site oficial. Para media, discursos para jantares, conferências ou consultoria, é marcar 4420 8669 3128. Se um dia ele me atender o telefone, pergunto-lhe o que o faz rir.

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