Torne-se perito

Memorial do massacre de judeus afirma tolerância de Lisboa

Um mural em 34 línguas evoca o massacre que, em 1506, matou entre 2000
e 4000 judeus

a Pode dizer-se "Lisabona, Orasul Tolerantei"? A frase significa "Lisboa, Cidade da Tolerância" e, desde ontem, é uma das 34 com o mesmo significado, em outras tantas línguas, que se lêem num mural no Largo de São Domingos, na capital. Português, hebraico, árabe, creoulo, tétum ou mandarim são algumas das línguas inscritas para evocar o massacre que, em 1506, matou entre 2000 e 4000 judeus. Foi a Matança da Páscoa, ocorrida em plena Semana Santa cristã, entre 19 e 21 de Abril, com pilhagens, roubos e pessoas queimadas em fogueiras improvisadas no Rossio e na Ribeira. O mural é uma das três peças do memorial que inclui uma escultura judaica e uma outra católica, e que ontem foi inaugurado na presença de centenas de pessoas. A presidir, António Costa, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, D. José Policarpo, cardeal-patriarca de Lisboa, e Eliezer Shai Di Martino, rabino judaico.
Os três responsáveis coincidiram na ideia de que este é um memorial que evoca o passado mas se vira para o futuro. "Memória e reconciliação", disse Di Martino. O memorial não pretende restaurar a "controvérsia entre judeus e católicos", aliás já terminada e resolvida "há muito tempo". Antes procura manifestar que há "presença judaica em Portugal e na Europa", com "impacto na cultura" e nos valores "éticos e morais".
Eliezer Shai Di Martino disse ainda que a reconciliação significa que cristãos e judeus devem, hoje, "juntar as forças" em prol de valores comuns e contra a pretensão de "exilar a religião do diálogo social e cultural". Uma ideia sublinhada depois pela vice-presidente da comunidade israelita, Esther Mucznick, em declarações aos jornalistas: "As religiões devem poder participar no espaço público, no debate sobre questões do quotidiano, pois a prática religiosa faz parte do exercício da cidadania."
O cardeal-patriarca falou do massacre e da perseguição aos judeus como "um dos casos mais chocantes e dramáticos" do Ocidente. Os judeus são, hoje, os "irmãos mais velhos" dos cristãos. Ambos partilham a "mesma memória", escutam a "mesma palavra" e rezam "as mesmas orações" e acreditam no Deus "do mesmo projecto de aliança". O memorial evoca uma intolerância ainda não completamente erradicada, acrescentou.
António Costa disse que, contra a "tentação dos negacionismos", se deve a assumir a história "memória viva, crítica, activa e vigilante", sublinhando o valor "simbólico" e "pedagógico" do memorial. E neste início do século XXI, Lisboa deve primar pela tolerância, porque "uma cidade é tanto mais criativa e atractiva quanto mais for tolerante", o que é demonstrado mesmo em "recentes estudos sobre crescimento, desenvolvimento e competitividade urbana".

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