Memorial judaico e católico evoca a partir de hoje em Lisboa o massacre de judeus de 1506

Patriarca e presidentes
da câmara e da comunidade judaica juntos para recordar pior massacre na capital

a São três memoriais num só, três peças para afirmar Lisboa como cidade cosmopolita e multicultural, evocando o pior massacre que aconteceu na capital, em 1506, e que vitimou entre dois mil e quatro mil judeus. O presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), o cardeal-patriarca e o presidente da Comunidade Israelita inauguram hoje, às 11h00, no Largo de São Domingos, um conjunto escultórico que pretende fazer memória do massacre de judeus em 1506, iniciado precisamente naquele lugar.A proposta da comunidade judaica, secundada pelo patriarcado, foi aprovada pela CML em 30 de Janeiro, depois de uma primeira iniciativa, em 2006, não ter tido resposta.
As três peças que hoje serão desveladas evocam diferentes facetas relacionadas com o massacre de há 500 anos. A escultura proposta pela Comunidade Israelita, da autoria da arquitecta Graça Bachmann, é composta por uma semiesfera inclinada. Numa das legendas, lê-se uma frase bíblica, retirada do livro de Job: "Ó terra, não ocultes o meu sangue e não sufoques o meu clamor!" Uma frase evocativa do massacre completa o texto, escrito sobre uma Estrela de David, símbolo judaico.
Já a parte proposta pelo Patriarcado de Lisboa, da autoria do escultor Carlos Ramos, consta de duas colunas de pedra unidas por uma faixa em metal. Nesta, está inscrito o texto do pedido de perdão público que no mesmo lugar foi pronunciado pelo patriarca, em nome da Igreja Católica, em Setembro de 2000.
No final do encontro Oceanos de Paz, promovido em Lisboa pela Comunidade de Santo Egídio, o cardeal José Policarpo afirmou: "Como comunidade maioritária nesta cidade, há perto de mil anos, a Igreja Católica reconhece profundamente manchada a sua memória por esses gestos e palavras, tantas vezes praticados em seu nome, indignos da pessoa humana e do Evangelho que ela anuncia."
Na terceira peça, um mural proposto pela CML, afirma-se Lisboa como "cidade cosmopolita, multiétnica e multicultural", de acordo com a proposta aprovada na reunião do executivo camarário de 30 de Janeiro.
A chamada Matança da Páscoa ocorreu em 1506. O país vivia uma seca prolongada e surtos de peste. A 19 de Abril, na Igreja de São Domingos, alguém afirmou que vira o rosto de Cristo iluminado num dos altares, ao que outra pessoa terá dito que seria um reflexo do sol. Identificado como cristão-novo, foi imediatamente agredido e espancado até à morte.
O rastilho estava pronto: um frade dominicano prometeu indulgências a quem matasse os hereges. Durante três dias, em plena Semana Santa cristã, Lisboa assistiu a pilhagens, violações, mortes e duas fogueiras improvisadas no Rossio e na Ribeira, com o rei e a corte fora da capital. Com o regresso do rei D. Manuel a Lisboa, os bens dos responsáveis foram confiscados, o frade instigador foi condenado à morte e o convento fechado durante alguns anos. Mas o massacre estava consumado.

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