Palácio das Necessidades pode abrir ao público em 2010

MNE quer recuperar a Tapada das Necessidades e tornar visitável o único palácio real português que permanece vedado ao público

a O Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) pretende tornar visitável o Palácio das Necessidades, em Lisboa, ainda em 2010. Na origem da decisão está a transferência de serviços para o Convento do Sacramento, que irá permitir ao MNE desocupar parte do único palácio real português cujo acesso continua vedado ao público, conservando apenas no piso térreo o serviço do protocolo do Estado.Ainda assim, o acesso ao público deverá ter lugar "sem prejuízo de [o
palácio] continuar a acolher actividades de representação externa do Estado do primeiro-ministro e do mi-
nistro dos Negócios Estrangeiros", avançou ao PÚBLICO o secretário-
-geral adjunto do MNE, Luís Barreira de Sousa.
Mas o MNE quer também assumir a gestão e a recuperação dos dez hectares da mata histórica contígua, a Tapada das Necessidades. A solução desagrada à Junta de Freguesia dos Prazeres e aos moradores e colectividades da zona, que receiam o encerramento daquele pulmão verde da cidade. "Defendemos o usufruto livre da tapada por parte da população. Ora, o MNE ainda não tem sequer o Palácio das Necessidades visitável, o que não nos dá confiança alguma relativamente à mata", explica o presidente da Junta de Freguesia dos Prazeres, João Magalhães Pereira. "As garantias do MNE não passam disso mesmo: meras declarações de intenções".
Mas, para o MNE, a questão do usu-
fruto público da Tapada das Necessida-
des não se coloca, até porque a cessão daquele imóvel de interesse público será feita com o aval da Câma-
ra de Lisboa. "Na sequência de um diálogo que decorreu em Fevereiro e Março, aquela vereação municipal [do Ambiente da autarquia] e a secretaria-geral do MNE chegaram a uma versão consensual de um hipotético protocolo que aguarda a aprovação de princípio do vereador José Sá Fer-
nandes", detalhou Luís Barreira de Sousa, adiantando que, apesar de tudo, caberá ao MNE decidir se aceita a gestão da tapada. Um desfecho que, diz o MNE, depende em grande medida da "disponibilidade do Igespar[Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico] para se responsabilizar pela respectiva reabilitação".
Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério das Finanças confirmou que a tapada continuará acessível, independentemente de quem assuma a
sua gestão, uma garantia ecoada pelo vereador dos Espaços Verdes. "A Tapada das Necessidades não é da Câmara, mas é da cidade e estamos a tentar arranjar uma solução para recuperá-la, não para encerrá-la", assegurou, sem contudo adiantar pormenores sobre o projecto de rea-
bilitação que pretende ver concre-
tizado "com a maior brevidade possível".
O exemplo do MNE
O portão que dá acesso aos jardins do Palácio das Necessidades está fechado a cadeado. Um dos vasos de pedra românticos caiu do muro que agora é do MNE e ninguém o foi apanhar. "Está ali há anos e eles nem devem ter reparado que, por esse motivo, o jardim até perdeu simetria", lamenta Maria Odete, de 59 anos e membro do Grupo dos Amigos da Tapada das Necessidades.
Odete espreita pelas grades do por-
tão que dá para a tapada e olha as se-
bes acastanhadas, os azulejos carcomidos, depois as sardinheiras que recheiam todo o jardim e, por fim, desenha com o dedo as roseiras e as estátuas que já lá não estão. Lamenta--se, desiste e desce as escadas cabisbaixa. "Por aqui deixaram sacos de ci-
mento e outros despojos de obras que têm feito. Lá teve de vir a câmara limpar..."
Mais à frente, Maria Odete estaca diante do recém-nascido parque de
estacionamento do MNE, que se vai espreguiçando para a mata, arrematando-lhe pedaços à vez. A um canto, abrigado debaixo de uma árvore, ficou um contentor enferrujado das últimas obras. "E querem que eu acredite que este mesmo MNE vai tomar devidamente conta da tapada?"
a A Associação Portuguesa de Sítios e Jardins Históricos (APSJH), entidade responsável pelo projecto de recuperação da Tapada das Necessidades, está a equacionar mover uma acção judicial contra o Ministério da Agricultura. Em causa está o incumprimento do protocolo que aquela en-
tidade assinou em Junho de 2004 com o ministério para a reabilitação da tapada, que resultou em prejuízos de 3500 euros para a APSJH.
O acordo previa que o projecto e a execução da empreitada (que deveria estar pronta em 2015), bem como a obtenção de financiamento europeu ficassem a cargo da APSJH, isentando o Estado de quaisquer pagamentos. Em troca, o Ministério da Agricultura (então responsável pela tapada) concordava em ceder à associação, em regime de comodato, três edifícios da mata onde ela pudesse desenvolver o seu trabalho: a Casa do Regalo, a Casa do Fresco e a Estufa Circular.
Contudo, a recuperação da tapa-
da não aconteceu, tudo porque, ainda em 2004, a Direcção-Geral do Património decidiu requisitar a Casa do Regalo - onde a associação já tinha gasto 3500 euros em obras de recuperação - para instalar o gabinete do então Presidente da República Jorge Sampaio, que este passaria a ocupar assim que terminasse o seu mandato.
Apesar dos esforços de Jorge Sampaio e da APSJH para desbloquear a situação, a recuperação falhou. Em Julho de 2005, o ministério propôs à associação a cedência de três edifícios da tapada em substituição da Casa do Regalo, mas continuou a exigir que a APSJH entregasse até 31 de Dezembro do mesmo ano o plano de restauro.
"Os edifícios que nos cediam estavam degradados e precisávamos de pô-los em obras. Só então poderíamos trabalhar, porque não tínhamos sede. Ora, como fazer um plano daquela envergadura em tão poucos meses?", questiona a presidente da APSJH, Cristina Castel-Branco.
Porém, a APSJH prosseguiu o trabalho voluntário e em 2007 ganhou um concurso internacional para o restauro de jardins históricos entre 159 projectos portugueses, no valor de um milhão de euros, verba que contava utilizar na recuperação da tapada. Mas o fim anunciado do protocolo veio dar-lhe um novo destino: o restauro de 12 jardins de associados (Jardim Botânico de Coimbra, José Miguel Júdice, Augusto Ataíde, Fernando Mascarenhas, Francisco Calheiras, João Amora, João Teixeira de Queiroz, António Costa Macedo, Fernando Guedes, José António Vitorino, José Pereira Coutinho e Francisco Patrício).
Entretanto, o Ministério da Agricultura enviou em Janeiro deste ano uma carta à APSJH, comunicando a sua intenção de denunciar o protocolo por incumprimento daquela. A 13 de Fevereiro, a APSJH respondeu, pedindo compensação pelos prejuízos causados, nomeadamente pela verba gasta na Casa do Regalo, mas continua sem resposta. C.P.

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